sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Impactos Adversos na Avifauna Causados Pelas Atividades de Arborização Urbana


REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228

Volume 6- Número 2 - 2º Semestre 2006

Impactos Adversos na Avifauna Causados Pelas Atividades de Arborização Urbana

José Augusto de Lira Filho 1 ; Maria Aparecida Severo Medeiros 2

RESUMO

Atualmente, cerca de dois terços da população mundial vive nas cidades, cujos
ambientes podem ser hostis à população e à manutenção da vegetação urbana. Apesar
disto, algumas espécies da avifauna silvestres se servem desses ecossistemas para
abrigo, descanso, nidificação e fonte de alimentação, tendo como principal suporte as
árvores urbanas. No entanto, por mais bem planejada que seja a arborização, podem
ocorrer impactos adversos nas aves que vivem em ambiente urbano, em quaisquer fases
de execução do plano diretor de arborização. Este estudo objetivou sistematizar dados
inerentes ao comportamento da avifauna no ecossistema urbano, identificar os
principais impactos negativos decorrentes arborização na avifauna silvestre, a fim de
subsidiar o planejamento da arborização urbana. Uma ampla pesquisa em literatura
especializada e em outras fontes foi realizada, além de se recorrer ao método checklist
para identificação dos impactos adversos. Medidas mitigadoras para cada impacto
foram propostas. Em síntese, foram identificados onze impactos negativo, considerados
de importância primordial na prática da silvicultura urbana.
Palavras-chave: Impactos ambientais, floresta urbana, avifauna silvestre.


ABSTRACT

Actually about two thirds of the world population lives in cities, whose ecosystems in
the more cases are hostiles to population and to maintenance of the urban vegetation.
Thus the species of wild avifauna make uses them ecosystems to shelter, rest, nesting
and feeding source, employer the urban trees as main supports. However, a good
management of urban vegetations could cause adverse impacts on birds in this
ecosystem. Thus, this study aimed systematizing inherent date to the behavior of
avifauna in urban ecosystem and to identify the main current negative impacts incident
on this fauna, caused by urban arborization activities in order to subsidize the
management director plan of urban forestry. Research in specialized literature and other
sources, besides appealing to checklist method in order to identify the adverse impacts
and mitigation actions were proposed. A total of eleven adverse impacts of primordial
importance in practice of the urban Forestry were identified.
Key word: Environmental impacts, urban forestry, wild avifauna.
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1. INTRODUÇÃO

A arborização tem sua importância no
contexto urbano à medida que as cidades
crescem verticalmente e se expandem
horizontalmente, as quais necessitam de uma
vegetação que propicie conforto ambiental e
melhore a qualidade. Para isto, a Arborização
Urbana deve ser bem planejada a fim de que a
vegetação cumpra suas funções ecológicas,
econômicas e sociais, buscando-se a
minimização dos impactos adversos incidentes
no ecossistema urbano e propicie melhorias no
padrão sócio-ambiental. Entretanto, atividades
de arborização urbana realizadas pelo Poder
Público Municipal, pelas Concessionárias de
Serviço Público ou, ainda, por quaisquer outros
atores sociais, por mais planejada que seja
sempre ocasionará impactos negativos no
ambiente.
Preocupações ambientais estão inseridas
nos paradigmas atuais, em várias áreas do
conhecimento humano. Especificamente no
Setor Florestal, SILVA (1997) tem alertado para
a necessidade de se direcionar esforços para um
melhor entendimento das alterações ambientais
provocadas pela atividade florestal, com o
objetivo de compor base científica que tratará da
minimização dos impactos negativos e da
potencialização dos impactos positivos.
Consequentemente, a Silvicultura Urbana
insere-se neste contexto e também carece de
informações científicas consistentes necessárias
a aplicação da Avaliação de Impactos
Ambientais – A.I.A., uma vez que a prática do
manejo da Arborização Urbana implica em
impactos ambientais nos meios físicos, bióticos
e antrópicos. No que concerne ao meio biótico,
impactos incidentes sobre a fauna silvestre,
ocorrente no ecossistema urbano, são de
relevante importância e merecedores de estudos
aprofundados.
Nesse sentido, este trabalho se propõe a
sistematizar dados inerentes ao comportamento
da avifauna no ecossistema urbana, bem como
identificar os principais impactos negativos
incidentes sobre este tipo de fauna silvestre
decorrentes das atividades da Arborização
Urbana, visando subsidiar o planejamento da
arborização nas cidades e que garanta hábitats
mais adequados para o convívio das aves
silvestres.
O presente trabalho tem como ponto
focal os Estudos de Impactos Ambientais (E. I.
A.) na Arborização de Ruas e tratará
especificamente dos impactos negativos
incidentes sobre a avifauna, destacando-se
aspectos ambientas importantes para o
planejamento da Arborização Urbana. Salientase
que este estudo refere-se apenas aos
espécimes arbóreos urbanos, uma vez que
dentro dos novos paradigmas da Silvicultura
Urbana também faz parte da arborização outras
categorias de vegetação (pisos vegetais,
herbáceas, etc) complementares na composição
paisagística.

1.1. Importância da vegetação urbana para a
avifauna


Nos últimos anos, a qualidade do
ambiente urbano tem recebido crescente atenção
no mundo, conforme aumenta o reconhecimento
das implicações da urbanização para o futuro
das populações humanas e para o meio ambiente
em geral (MURRAY, 1998). O mesmo autor
enumera, entre as preocupações mais recentes
sobre o ecossistema urbano, a vegetação, os
solos, a vida silvestre, os microorganismos e os
espaços abertos, as quais têm sido contempladas
nas agendas públicas das municipalidades, bem
como nas ações de atores privados da
comunidade. Dentre estas preocupações, a
Silvicultura Urbana e Periurbana têm sido um
ponto focal emergente nas iniciativas, tanto nos
setores público como privado.
Segundo Roth (1976), citado por
MACHADO et al. (1994), consideram-se como
necessários para que certas espécies possam
estar presentes em um determinado local, a
representação de seu tipo padrão de ambiente, a
existência de outros recursos adequados no
hábitat, a baixa pressão competitiva de outras
espécies de todo ou parte deste tipo de
ambiente, e a possibilidade de alcance deste
hábitat por colonizadores.
A vegetação nas áreas urbanas e
periurbanas desempenham importante função
ecológica, por meio das espécies ocorrentes nos
passeios das ruas e avenidas, nas praças, nos
bosques e parques municipais, as quais podem
se converter em importantes ambientes que
servem para abrigo, descanso, nidificação e
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fonte de alimentação para as aves silvestres.
Além disso, as árvores urbanas nativas ou
exóticas contribuem para a diversidade
biológica vegetal nestas áreas (MURRAY,
1998), cujos benefícios se estendem para a
melhoria microclimática, bem como a
amenização da poluição atmosférica e acústica
(GREY e DENEKE, 1978).

1.2. Importância das aves no ecossistema
urbano


Existe cerca de 1.676 espécies de aves
que ocorrem no Brasil, entre espécies residentes
e visitantes, correspondente a mais da metade
das espécies de aves registradas para a América
do Sul (ANDRADE, 1995). Deste total, 145 são
espécies migratórias que passam anualmente no
país, sendo que 89 são visitantes do Hemisfério
Norte e 56 do Hemisfério Sul (Sick, 1993,
citado por ANDRADE, 1995). O mesmo autor
afirma que do total de espécies da América do
Sul, 117 são endêmicas do Brasil e 115 estão
ameaçadas de extinção segundo a lista oficial do
IBAMA, publicada em 1989.
A presença das aves no ambiente é uma
indicação de que o mesmo é saudável e
funcional (ANDRADE, 1993). Neste sentido, as
aves constituem um dos grupos faunísticos mais
importantes em termos de bioindicação da
qualidade ambiental, devido à facilidade de
obtenção de dados em pesquisa de campo,
permitindo-se obter diagnósticos precisos em
curto espaço de tempo (BEDÊ et al., 1997,
RAMOS, 1997). Continua o mesmo autor,
afirmando que as mesmas têm, em sua maioria,
hábitos diurnos e intensa movimentação, o que
facilita em muito sua observação e
identificação. Além disso, têm representantes
em quase todos os níveis tróficos e utilizam uma
grande variedade de hábitats, sobretudo, os
terrestres.
As aves são um componente valioso de
qualquer meio natural ou cultural, tanto para a
vida da população urbana quanto para o
ecossistema como um todo, contribuindo de
várias maneiras. Neste contexto, enumera-se as
seguintes contribuições das aves no meio
ambiente em que vivem (ANDRADE, 1993,
BEDÊ et al., 1997): Alimentam-se de pragas
que atacam as plantas; atuam no controle
biológico; polinizam flores e disseminam
sementes; são boas indicadoras biológicas do
ambiente; transmitem harmonia, beleza e
inspiração e, indiretamente, exercem outras
contribuições ao meio ambiente.
Como recurso socioeconômico, os
valores atribuídos às aves estão muito acima do
que se supõe. Para ANDRADE, (1993), os
ambientalistas os utilizam como indicadores de
qualidade ambiental, em seus estudos
científicos; contribuem no embelezamento das
paisagens urbanas, onde colorido e abundância
de aves pode se tornar em atrativo turístico;
transmitem uma sensação de bem-estar e
harmonia, por meio de seus variados e
melodiosos cantos, movimentos ágeis e vôos
deslumbrantes; além de serem motivos de
inspiração para as artes em geral (música,
cinema, artes plásticas, fotografias, literatura,
etc.).
As aves migratórias exercem uma
função de grande importância na cadeia alimentar
da vida animal. Tal importância
ecológica reside na função trófico-energética
que estes animais desempenham ao habitarem
temporariamente diferentes ecossistemas
(ANDRADE, 1993). Assim, os locais
escolhidos pelas aves migratórias são bastante
estratégicos em termos de disponibilidade
alimentar, sendo necessário haver fartura de
alimentos para repor as energias que estas
aves irão precisar durante os vôos migratórios,
realizados por aves isoladas ou em bandos. O
mesmo autor relata que no sul de Minas
Gerais, município de Cambuí, verificou-se
bandos de andorinha-do-campo (Phaeoprogne
tapera) se concentrando ao milhares, durante
o verão, na praça da cidade e em plantações
No Brasil, existem diversos tipos de
biomas, com diferentes ecossistemas, onde se
encontra uma grande variedade de aves. Cada
espécie tem preferência por um tipo de ambiente
no qual ela vive e se reproduz. Com a perda das
áreas naturais, observa-se a destruição de
hábitats necessários para a sobrevivência das
espécies de fauna, incluindo as aves. Assim,
quando não existe mais hábitat preservado no
qual podem viver e reproduzir, os animais
caminham para a extinção (ANDRADE, 1994).
A maioria dos hábitats humanos, onde
se incluem as cidades, as aves convivem
pacificamente e em harmonia com o homem,
seja em áreas urbanas ou peri-urbanas. Porém,
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as mesmas precisam de proteção contra as
perturbações ambientais e, ou, humanas, bem
como de hábitats específicos a fim de poderem
manter sua forma de vida particular
(ANDRADE e ANDRADE, 1992).

2. METODOLOGIA

Informações sobre as atividades da
Arborização Urbana e o comportamento das
aves, necessárias para a formação de uma base
de dados que identifique os impactos
ambientais, foram obtidas por meio de uma
vasta revisão bibliográfica na literatura
especializada.
Os impactos ambientais negativos incidentes
sobre a avifauna em decorrência das atividades
da arborização, foram identificados a partir do
método “checklist” sugerido por MOREIRA
(1995), por ser de fácil aplicação e assegurar
que impactos relevantes não sejam omitidos
neste estudo. Medidas mitigadoras para cada
impacto foram propostas a partir de ampla
pesquisa em literatura especializada e outras
fontes documentais (CD-ROM, internet, vídeos)
além de consultas a especialistas da área.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para identificação dos impactos
ambientais ocorrentes sobre a avifauna nas áreas
urbanas, precede estudos sobre as atividades
inerentes à Arborização Urbana, bem como ao
comportamento das aves.

3.1. Arborização urbana-Planejamento e
execução


A cidade consiste em um ecossistema
profundamente modificado para atender as
necessidades humanas. Nesse sentido, o homem
tem exercido pressões de variedade e escopo
sem precedentes sobre seu ambiente (SEWELL,
1978), transformando o ambiente natural em um
sistema cultural em que incidem importantes
formas de degradação nos meios físico, biótico
e antrópico (HARDT, 1996). Diante de tal situação,
tem-se a Arborização Urbana como uma
das atividades de fundamental importância na
mitigação de tais impactos ambientais,
imprescindível na melhoria da qualidade de vida
nos ecossistemas urbanos. Portanto, necessita-se
de técnicas silviculturais em que a cobertura
vegetal na paisagem urbana represente um fator
de equilíbrio com os demais elementos
arquitetônicos do ecossistema, um contraponto
entre um meio artificial e a presença da natureza
(OLIVEIRA FILHO, 1990).
A Arborização Urbana no Brasil é uma
atividade relativamente nova com pouco mais
de 100 anos (WINTERS, 1991) e tem sido
realizada, com raras exceções, sem
planejamento. Esta falta de planejamento ou
mesmo a sua execução sem as devidas
preocupações ambientais têm concorrido para a
incidência de sérios problemas ambientais nos
ecossistemas urbanos.

3.1.1. Planejamento da arborização urbana

Do ponto de vista políticoadministrativo,
a Arborização Urbana comporta
dois setores distintos, a saber: Áreas Verdes e
Arborização de Ruas. O primeiro caso envolve
as atividades de planejamento e administração
dos jardins, praças, parques e demais
modalidades de áreas verdes públicas, enquanto
que o segundo refere-se as atividades de
planejamento, implantação e manejo da
arborização de ruas e avenidas que constituem a
rede de união entre às Áreas Verdes.
Estudos realizados por SILVA (2000)
demonstraram que os principais problemas
ambientais, na Arborização Urbana, decorrem
da falta de planejamento, e que tal situação
parece ser comum nas cidades brasileiras. No
Brasil, há tanto cidades arborizadas, que em sua
maioria não contaram com um planejamento
prévio e, em conseqüência, apresentam sérios
problemas de manejo, quanto cidades cuja
arborização foi previamente planejada, mas que,
pela incipiência da pesquisa e planejamento
nessa área, também apresentam problemas
(MILANO e DALCIN, 200). E considerando
que o planejamento é um processo dinâmico,
mesmo cidades com arborização previamente
planejadas, devem passar por avaliação
constante no propósito de atualizar o Plano
Diretor de Arborização estabelecido. PAIVA e
GONÇALVES (2002) advertem que o ponto
mais importante no processo de planejamento
global da arborização urbana de uma cidade é
enxergá-la no contexto holístico, sobretudo, as
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massas vegetais e suas posições relativas no
contexto urbano. Acrescente-se a isto, a
inserção das interações dos meios físico, biótico
e antrópico, em que a avifauna também tem seu
papel de destaque.
O plano de arborização de ruas é muito
mais complexo do que o de áreas verdes, porque
as exigências e os cuidados são maiores em
todas as fases de implantação: plantio, execução
e manutenção (BIONDI, 1995). Para subsidiar o
plano de arborização, se faz necessário a
execução de um diagnóstico da situação atual da
arborização conjugada com E.I.A. que inclua
um levantamento qualitativo da avifauna
presente no ecossistema urbano.

3.1.2. Atividades inerentes à arborização
urbana


Na Silvicultura Urbana a execução da
arborização de ruas e avenidas compete um
conjunto de atividades que envolvem três fases
distintas: implantação, manutenção, e remoção
das árvores. De acordo com MILANO (1993),
as práticas de manejo mais comuns na Arborização
de Ruas, são: o plantio, o replantio, a
irrigação, a adubação, a poda, o controle
fitossanitário, o reparo de danos físicos, e a
remoção de árvores.

- Escolha das espécies

O maior problema da arborização urbana
está no conflito que se estabelece entre as
árvores e os demais elementos que compõem o
ambiente. A solução para tal conflito se
encontra na escolha adequada das espécies
arbóreas, tendo-se em vista diversas finalidades
a serem cumpridas no ecossistema urbano
(GONÇALVES e PAIVA, 2004).
Verifica-se na literatura especializada
que os critérios de escolha das espécies estão
voltados para aspectos puramente arquitetônicos
do ambiente e, conseqüentemente, a morfologia
das árvores a serem plantadas, relegando-se
outros aspetos ambientais a um plano
secundário ou até mesmo negligenciando-os,
como é o caso dos impactos da vegetação sobre
a avifauna. Isto pode ser comprovado em alguns
autores, tais com OLIVEIRA FILHO (1990),
WINTERS (1991), MILANO (1993), e BIONDI
(1995). O exemplo mais marcante reside no
item frutificação e floração em que a
preocupação dos mesmos é predominantemente
antropocêntrica ao recomendarem a não
utilização de espécies frutíferas comestíveis
pelo homem, além de inferirem sobre o tamanho
e o tipo de flores nas espécies a serem plantadas
nas ruas e avenidas. Tais recomendações são
generalistas, uma vez que se deve analisar caso
a caso, nas diferentes situações de implantação
da Arborização Urbana, a fim de que a fauna
silvestre não seja prejudicada.
De acordo com GREY e DENEKE
(1978), uma única espécie não deve ultrapassar
de 10 a 15% do total da população de árvores
existentes numa cidade. Os mesmos recomenam
que em uma quadra deve-se enfatizar as
interseções das ruas com mudanças abruptas das
características das espécies; tais mudanças
ajudam a diminuir a monotonia provocada por
plantios de árvores em contínuos corredores.
Observa-se que tal recomendação tem caráter
puramente estético, omitindo-se aspectos
ecológicos tais como os benefícios da vegetação
sobre a fauna silvestre

- Plantio das árvores

Quanto ao plantio de árvores urbanas, as
recomendações voltam-se para a época ideal de
realizá-lo, a adubação, o tutoramento, a
proteção, e a área de crescimento; porém, nelas
também não se percebe a preocupação com os
impactos ambientas, com raras exceções. Dentre
estas, em relação a área de crescimento das
árvores, PAIVA e GONÇALVES (1997)
comentam sobre um fato importante, de caráter
estético e funcional, que se devido ao elevado
grau de impermebialização do solo urbano,
recomenda-se que se deixe um espaço sem
pavimentação ao redor da árvore (área de
crescimento) revestida de grama ou de alguma
forração herbácea florida. Porém, ressalta-se
que esta recomendação deva se estender,
também, aos impactos com a avifauna, uma vez
que tais espaços constituídos por vegetação de
pequeno porte (gramíneas, arbustos e herbáceas)
podem oferecer abrigo e alimento para as aves
(ANDRADE, 1994).

- Manutenção das árvores
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Segundo GREY e DENEKE (1978), a
manutenção compreende as práticas necessárias
para manter as árvores com saúde, vigor e
sempre compatíveis com o ambiente. Tais
práticas envolvem as atividades de poda,
remoção de árvores, adubação, irrigação, e
tratos fitossanitários.
É justamente nessa fase que as
atividades impactantes em relação a avifauna
mais se sobressaem, destacando-se as podas, a
remoção de árvores e os tratos fitossanitários.
Resalta-se que estas práticas devem ser bem
planejadas, incorporando-se tecnologias que
visem à minimização dos impactos ambientais.
Para isto, dispõe-se de tecnologias alternativas
como o controle biológico, que muito
contribuirão para a preservação das aves no
ambiente urbano.
Existem alguns conflitos quanto à
aplicação de algumas práticas de manejo, como
o controle fitossanitário e os tipos de poda a
utilizar (SILVA, 2000). No que concerne ao
controle fitossanitário, enquanto alguns autores
sugerem o uso de defensivos químicos outros
enfatizam como adequado o controle biológico
e a seleção de espécies tolerantes. Já a poda,
talvez por ser uma das práticas mais freqüentes
no manejo e também de grande importância
para as árvores urbanas, é uma das que
apresenta mais divergência de opiniões
(MILANO, 1988)
A manutenção de frutíferas no meio
urbano, principalmente nas ruas e avenidas,
apresenta uma relação custo-benefício
desfavorável, isto é, os gastos com a limpeza
pública e a manutenção desta arborização são
elevados, não compensando os benefícios
proporcionados, o que vem implicar na redução
deste tipo de vegetação nas cidades (SILVA,
2000). Porém, ELETROPAULO (1995) enuncia
que é desejável o uso de espécies que produzam
frutos pequenos apreciados pela avifauna. Os
frutos carnosos, embora pouco recomendados,
podem ser utilizados; basta um planejamento
adequado para que tais espécies não sejam
plantadas em ruas e avenidas, ficando-lhes
reservados às áreas verdes tais como parques e
bosques urbanos.
Com relação à folhagem dos espécimes
arbóreos urbanos, SILVA (2000) elucida que é
um fator de importância para a arborização
urbana por influenciar diretamente na estética
da paisagem e no microclima, determinando o
conforto ambiental. Conseqüentemente, este
fator talvez influencie no oferecimento de
abrigo e refúgio para as aves, propiciando
ambientes mais adequados às mesmas, uma vez
que a folhagem densa contribui para a redução
do ruído, bem como pode contribuir para o
sombreamento.
No que diz respeito às flores na copa das
árvores urbanas, estas são um atrativo para a
avifauna. Deve-se optar pela escolha de árvores
ornamentais produtoras de flores de cores vivas
e cujo período de permanência na planta seja o
mais duradouro possível (ELETROPAULO,
1995). Árvores com flores grandes e em pouca
quantidade, como as da Spathodea
campanulata, são viáveis (SILVA, 2000);

3.2. Comportamento da avifauna

Os movimentos, atividades e hábitos da
avifauna constituem o seu comportamento
(ANDRADE, 1993), podendo-se dividi-los nos
seguintes itens: ciclo de vida, alimentação,
limpeza, reprodução, aninhamento, e migração.

- Ciclo de atividades

As aves têm padrão de atividades diário
que variam com a espécie, cujos ciclos são
caracterizados por ANDRADE (1993), a seguir:

- A maioria das aves são muito mais ativas
bem ao amanhecer, horário em que são mais
visíveis e vocalizam com maior freqüência,
exatamente pelo fato de andarem em busca
de alimento. Depois deste período de
atividade mais intensa pode-se observar
período de descanso ao meio dia, para
aumentar de novo ao entardecer ou
anoitecer. Os períodos de descanso,
principalmente nos dias ensolarados,
servirão para que elas fiquem em locais mais
fechados, repousando ou arrumando a
plumagem (ANDRADE, 1995). Algumas
aves são ativas somente à noite.
- A maioria das espécies trocam seus padrões
de atividades durante o ano, devido, em
alguns casos, a mudanças sutis ou grandes
na estação. O período de reprodução de cada
espécie depende da disponibilidade de
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alimento para criar seus filhotes. Algumas
espécies só têm um período reprodutivo
durante o ano, ao contrário de outras que
podem reproduzir-se várias vezes ao ano.
Espécies frugívoras, que se alimentam de
frutos caseiros ou frutos silvestres, se
reproduzem na estação de frutificação,
quanto os frutos estão maduros e a oferta de
alimento é maior. Esta época, que
geralmente coincide com o verão, é de
intensa movimentação entre uma árvore e
outra em busca de frutos apreciados pelas
aves. O período de reprodução é, geralmente,
na primavera e início do verão.
- Outono e inverno são períodos de descanso
reprodutivo e troca de penas (muda), quando
a maioria das aves diminuem seus
movimentos e vocalizações. Na primavera,
quando aumenta a oferta de alimentos, a
atividade das aves começa a intensificar.
- Nas áreas onde ocorrem extremas estações,
como por exemplo períodos prolongados de
seca ou chuva, pode-se observar movimento
de aves que chegam as áreas ou emigram
dela. Estes movimentos se realizam quase
sempre em resposta às trocas na
disponibilidade de alimento no hábitat de
cada espécie.

- Alimentação

As aves possuem muitas maneiras de
coletar e obter o alimento de que necessitam. Os
papa-moscas e outros tiranídeos podem voar
desde as copas das árvores para engolir insetos
em pleno vôo, ou sobrevoar a superfície de
lagos e rios, jardins e vegetação rasteira para
capturar sua presa com movimentos rápidos e
certeiros (ANDRADE, 1993). Este mesmo
autor, relata que o bem-te-vi pode capturar um
enorme gafanhoto ou uma cigarra e matá-los
contra o galho de uma árvore, para depois
engolir a sua presa de uma só vez.
De acordo com o hábito alimentar, as
aves podem ser classificadas nos seguintes
grupos (ANDRADE, 1993):

- Carnívoras- alimentam-se de carne de
animais vivos ou mortos. Ex.: gaviões,
águias, falcões, urubus e outros.

- Frugívoras- alimentam-se de frutas caseiras
ou frutos silvestres. Ex. sabiá, sanhaço,
gaturamo, saíra, saí-azul, tiê e outros.

- Granívoras- alimentam-se de grãos e
sementes. Ex.: pássaro-preto, rolinha, trocal,
coleirinha, canário, papa-capim, tiziu, ticotico
e outros.

- Insetívoros- alimentam-se basicamente de
insetos. Ex.: papa-formiga, chocas, bem-tivi,
suiriri, papa-moscas, tesourinha,
andorinhas, andorinhões, curiango, entre
outros.

- Nectarívoras- alimentam-se de néctar das
flores. Ex.: beija-flores.

- Onívoras- alimentam-se praticamente de
tudo que encontram; a alimentação é
bastante variada. Ex.: gralha, sabiás.

- Piscívoras- alimentam-se basicamente de
peixes. Ex.: águia-pescadora, martimpescador,
biguá e outras.

- Limpeza

As aves limpam e estiram suas penas
regularmente, e para tal utilizam seus bicos
(ANDRADE, 1993). Elas podem utilizar-se das
cavidades naturais de árvores, que contenham
água estagnada, para se banharem.

- Reprodução

No que concerne à nidificação,
ANDRADE (1993) elucida que a maioria das
aves demonstra maior atividade nos meses que
antecedem ao período reprodutivo,
provavelmente graças às mudanças fisiológicas
que ocorrem em seu organismo neste período. O
mesmo esclarece que após o cortejo (formação
de pares entre machos e fêmeas) e
acasalamento, as atividades típicas deste
período incluem a construção de ninhos, postura
de ovos, incubação e a criação dos filhotes.
De acordo com o mesmo autor, esse
ciclo reprodutivo pode ocorrer uma ou mais
vezes ao ano, dependendo da espécie e, no
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Brasil, na maioria das espécies, tal ciclo
concentra-se durante a primavera e verão.
Ainda conforme o mesmo autor, as aves
podem ser classificadas quanto ao hábito
alimentar, nos seguintes grupos:

- Aves nidífugas- os filhotes são bem
desenvolvidos, cobertos de plumas, já
nascem com os olhos abertos e são capazes
de andar e correr atrás dos pais e até devem
se alimentarem sozinhas. Os filhotes
abandonam o ninho muito cedo e
geralmente são menos dependentes dos pais.
Ex.: codornas, galináceos, emas, entre
outras.

- Aves nidícolas- os filhotes nascem nus, sem
plumas e, às vezes, com plumagens. Após a
eclosão dos ovos os filhotes ficam
desprotegidos e sujeitos a predadores.
Precisam ser alimentados, cuidados e
protegidos pelos pais. Podem permanecer no
ninho de 15 a 45 dias, dependendo da
espécie. Ex.: gaviões, pombas, beija-flor,
sabias, e outros pássaros canores.

- Aninhamento

Existem aves que constroem os ninhos e
outras que não o constroem; portanto, na
Arborização Urbana deve-se ter muito cuidado
para que os ninhos não sejam destruídos,
mesmo aqueles em que foram abandonados.
A maioria das aves os constrói ou
ocupam um ninho durante seu período de
reprodução, com o objetivo de pôr seus ovos e
criar seus filhotes em um local protegido, e
depois que as crias abandonam o ninho,
usualmente este será abandonado
(ANDRADE,1993).
Podem-se encontrar ninhos em uma
variedade de habitat. Dos 18 tipos de ninhos,
citados por ANDRADE (1993), alguns estão
relacionados com as aves que se utilizam da
Arborização Urbana. São eles:

- Cavidades feitas propositadamente em
árvores (pica-pau);

- Cavidades já existentes em árvores
(papagaios, arapaçu, arara, anambé);

- Ninhos de ramos finos em forma de tigela
(pombas, sabiás, tico-tico,etc.);

- Ninhos com algodão, musgos e teias (beijaflor);

- Ninhos feitos em colônias, em árvores
(garças, socós, biguás)

O mesmo autor, ainda elucida que
existem aves que não constroem ninhos, porém
podem utilizar-se das árvores urbanas como
suporte para sua criação, tais como as que
depositam seus ovos em cavidades naturais
(tucano, suruará); os que depositam seus ovos
sobre o galho ou tronco de árvores (urutau); as
que aproveitam o ninho do joão-de-barro (tuius,
andorinhas); e as que aproveitam o ninho de
outras aves (chopim, gandério).

- Migração

A migração consiste no deslocamento
sazonal ou periódico, realizado de um local de
reprodução a um local de invernada, fora do
período reprodutivo (ANDRADE, 1993). O
referido autor enumera os seguintes
comportamentos, em relação à migração:

- Não são todas as aves que migram.

- As aves resistentes permanecem em
determinado local ou região o ano todo.

- As migrações podem ser realizadas durante
o dia ou à noite, sendo que algumas espécies
podem fazê-lo nos dois períodos. Os Irerês,
por exemplo, realizam seu vôos de migração
durante à noite, às vezes até mesmo
sobrevoando cidades.

- As aves migram em bandos esparsos, ou
sozinhas, em frente larga. Os migrantes
confluem em lugares topográficos marcantes
como a orla marítima, em penínsulas ou ao
longo de serras altas.

Ainda segundo (ANDRADE, 1993), no
Brasil existem as seguintes rotas migratórias:
Página 382

- Rota Atlântica- acompanha a extensão da
costa brasileira, de norte a sul, sendo
utilizada por um grande número de espécies.

- Rota Brasil Central- as aves penetram na
porção central do Brasil, utilizando os vales
dos rios Tocantins, Araguaia e Xingu.

- Rota Cis-andina ou Amazônia Ocidental utilizada
pelas aves que vêm do Hemisfério
Norte através da América Central e seguem
pelos Andes. Penetram no Brasil pela
Amazônia Ocidental e depois para o
Pantanal Matogrossense.

- Rota das Aves da Caatinga- utilizada por
aves que nidificam e realizam movimentos
migratórios pelo sertão nordestino.

- Rota do Baixo rio Paraná- utilizada por
aves que realizam movimentos migratórios
entre o sul do país e a Argentina.

- Rota da Patagônia- vai do extremo sul do
país, passando pela Argentina, até a região
da Patagônia. 

3.3. Problemas ambientais inerentes às aves
nas cidades


As cidades têm crescido
consideravelmente, abrigando atualmente
quase dois terços da população (PAIVA e
GONÇALVES, 2002) e, geralmente, mostrase
hostil para a maioria dessa população e,
em termos de paisagem, a vegetação tem
dado lugar a grandes massas construídas
atuando de forma opressiva. Apesar das
hostilidades desses ambientes, existem
algumas aves que encontram condições
favoráveis à sua sobrevivência e reprodução
nas cidades ou em suas cercanias. Porém, em
áreas muito alteradas, como o ecossistema
urbano, algumas espécies da avifauna que
não se adaptarem podem desaparecer,
dependendo da ação direta das atividades
humanas (MACHADO et al., 1994). No caso
do Planejamento da Arborização Urbana que
contemple os impactos ambientais sobre a
avifauna, as chances de sucesso das aves
sobreviverem nesse meio são maiores.
Portanto, faz-se necessário o
estabelecimento de medidas e estratégias de
conservação e atração das aves para locais
onde ainda possam viver pacificamente com
a população urbana homem (ANDRADE,
1994).,
As soluções para os problemas
ambientais, oriundas da Arborização Urbana,
estão calcadas fundamentalmente na
legislação, planejamento, fomento, e na
administração pública (SANTOS, 1994).
Acrescente-se a estes, a conscientização das
equipes executoras do Plano de Arborização
Urbana e da população alvo. A execução
plano de arborização que não leve em contra
os impactos negativos incidentes sobre a
avifauna pode ocasionar distúrbios para este
tipo de fauna silvestre, tais como: mudanças
de comportamento, falta de hábitats
adequados, contaminação por produtos
químicos, e estresse.

- Mudanças de comportamento

O comportamento alimentar de uma ave
frugífora é determinado, em parte, pela
interação do conjunto de características
morfológicas da ave e do fruto de que se
alimentam, aliado ao grau de acessibilidade
imposto aos visitantes pela modelo
arquitetônico da árvore (SILTA et al., 1997).
Resultados de estudos realizados por
FICHBERG et al. (1997) sobre o hábito
alimentar de algumas espécies de aves
(passeriformes) da Ilha de Marambaia-RJ sugerem
que a essa dicotomia proposta para separar
passeriformes segundo seu hábito alimentar, em
frugívoros e insetívoros, pode ser imprecisa,
podendo as aves alimentarem-se do que estiver
disponível no ambiente mesmo que não utilizam
elementos preferenciais de sua dieta.
Estudando a estrutura de comunidades
de aves sinântropas na cidade de Assis-SP,
verificando os hábitos alimentares das espécies
registradas, QUADROS (1997) pôde constatar
que o tipo de alimento explorado corresponde
justamente àquele de maior disponibilidade
(grãos, frutos, insetos, pequenos vertebrados,
etc.). Os resultados demonstraram que a
diversidade, hábitos alimentares e padrão social
são altamente influenciados pela diversidade
vegetal, tamanho e altura vertical do ambiente.
Página 383

Com relação à utilização de frutíferas na
Arborização Urbana, SILVA (2000) cita como
aspecto ambiental positivo o uso de árvores com
frutos pequenos que sirvam como fonte de
alimento para a avifauna. Quanto aos frutos
secos, têm como aspecto negativo uma menor
possibilidade de uso pelas aves como fonte de
alimento, dependendo da capacidade de
ingestão dos espécimes frugívoros.
Em um bairro residencial arborizado de
São Paulo, pesquisa realizada por OLIVEIRA
(1997), detectou que a inclusão, na dieta de
bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), de itens que
originalmente não existiam no ambiente natural
(alimentos manufaturados pelo homem), foi
provavelmente um dos elementos que
permitiram o estabelecimento desta espécie no
ambiente urbano.


- Falta de hábitats adequados

No meio urbano, as aves podem ser
encontradas tanto em ambientes que lhes são
próprios quanto naqueles que lhes são
convenientes pela falta de opção para abrigo,
nidificação e alimentação.
Muitos grupos faunísticos apresentam
forte diferenciação de hábitats em fases distintas
do ciclo vital. O registro destes grupos pode
significar que os requerimentos necessários ao
longo do período vital estão atendidos. Muitas
vezes, no entanto, um determinado tipo de
biótopo é utilizado por certas espécies para fins
exclusivamente de alimentação ou abrigo,
enquanto que para o restante das atividades
vitais outras áreas são utilizadas. Isto pode
ocorrer com a avifauna em relação aos biótopos
urbanos.

No entanto, observações de
VASCONCELOS et al. (1997) realizadas sobre
a distribuição e o comportamento das aves
noturnas no município de Belo Horizonte,
registraram 13 espécies, sendo que entre estas
apenas três foram encontradas preferencialmente
em áreas verdes da cidade com pouco ou
nenhum grau de urbanização, enquanto as
demais, apesar de estarem mais bem
representadas em regiões de parques em áreas
periféricas, demonstraram diferentes graus de
invasão do meio urbano, estando geralmente
condicionadas a locais próximos de seus
hábitats originais.
BERNHARDT et al.. (1997) em estudos
sobre a biologia de 74 espécies da avifauna
ocorrente no Campus da UFRRJ, detectaram
que Tyrannus savannna, ave migratória,
permanece no ambiente do campus somente no
período de reprodução que vai de setembro a
fevereiro.
A comunidade de aves pode mudar de
acordo com o grau de urbanização. Isto foi
constatado por BLAIR (1996) ao examinar a
distribuição e abundância de espécies de aves
em um gradiente urbano, bem como as
mudanças na estrutura das comunidades, para
avaliar algumas populações ocorrentes em seis
sítios no município de Santa Clara, na
Califórnia, em que cada sítio representava um
gradiente urbano de uso da terra, mudando-se
gradativamente de áreas não perturbada para a
altamente alterada; tendo concluído que:

- Houve uma mudança na composição da
comunidade de aves nas áreas não
perturbadas pela invasão de espécies
exóticas oriundas das áreas comerciais
(altamente perturbada).

- Houve uma diminuição na diversidade de
espécies e perda de biomassa nas áreas com
distúrbios.

- Verificou-se um subdesenvolvimento de
espécies de aves a medida que as áreas se
tornavam mais urbanizadas.

- Mudanças significativas ocorreram ao longo
do gradiente, das áreas pavimentadas até as
arborizadas.

Segundo BUSTAMANTE (1997), a
vespa-tatu (Synoeca sp) constrói seu ninho
fixado longitudinalmente em troncos de árvores,
e que o pica-pau-branco, ou birro, destroem
estes ninhos para possivelmente se alimentarem
de ovos e larvas da referida espéce. O mesmo
autor encontrou Pteroglossus acari utilizando
como ninho um ôco de árvore de Piptadenia
gonoacauth, no campus da UFV.
STILES H. (1990) estudou a avifauna no
campus da Universidade da Costa Rica e seus
arredores durante vinte anos, identificando 188
Página 384

espécies residentes, migratórias e visitantes. O
ambiente dos arredores era suburbano com
poucas partes de vegetação natural, da sucessão
secundária. As mudanças ocorridas no
ecossistema, ao longo dos vinte anos,
influenciaram o comportamento da avifauna,
verificando-se que algumas espécies
diminuíram em abundância (48 espécies) e
apenas 11 espécies aumentaram. Em síntese,
este autor, relata as seguintes constatações:

- As espécies capazes de utilizar uma ampla
gama de hábitats mantiveram a abundância
frente a urbanização, com raras exceções.

- As razões específicas para o decréscimo
populacional, entre muitas espécies, foram
várias, desde a perda de recursos específicos
para a nidificação ou a alimentação, até a
diminuição da cobertura vegetal com certa
complexidade estrutural.

- As espécies mais flexíveis e adaptadas
saíram melhor frente as adversidades da
urbanização, especialmente as que puderam
aproveitar as construções humanas para
abrigar, alimentar, e, ou nidificar.
O autor, anteriormente citado,
recomenda que se mantenham algumas áreas
verdes com a vegetação nativa da zona de
ocorrência das espécies para preservação das
populações locais dessas aves.

As áreas urbanas têm tendência a
diminuir as ofertas de cavidades naturais, com a
remoção de árvores mortas, galhos secos e
barrancos (WILLNER et al.., 1983; MUNRO e
ROUNDS, 1985, citados por MACHADO et
al.., 1994), o que implica em uma redução da
fauna especializada em escavar e utilizar
cavidades como local para aninhamento. A
disponibilidade destes locais é fator limitante
primário para nidificadores secundários de
cavidades, que não possuem adaptações para
descavar (LACK, 1968; MUNRO e ROUNDS,
1985; HSU e HUMPERT, 1988, QUIN e
HOLROYD, 1989; citados por MACHADO et
al.,1994). O impacto deste processo pode ser
atenuado incorporando-se às estratégias de
manejo, um programa de realocação de
cavidades para ninhos (SEDGWICK e KNOPF,
1986; SWALLOW et al., 1986).
Percebe-se que nas áreas urbanas que
alguns aves têm ocupado lugares não propícios
para construírem seus ninhos e incubar os ovos
(calhas, semáforos, chaminés, etc.). É provável
que tal comportamento resulte da falta de
ambientes adequados no ecossistema urbano.
MACHADO et al.(1994) demonstraram
ser possível o manejo de aves em áreas
antrópicas, com a utilização de caixas de
madeiras como locais para nidificação, porém
saliento que o experimento foi realizado em área
urbana atípica (campus universitário –
UNICAMP) que difere das demais áreas
urbanas, abertas, sujeitas a ações antrópicas
mais freqüentes; além disso, o campus
universitário geralmente é mais protegido, com
cercamento e vigilância, o que não ocorre nas
cidades.

- Contaminação por produtos químicos

O uso de produtos químicos no combate
à pragas e doenças na vegetação tem sido um
dos graves problemas ambientas, com impactos
negativos sobre a avifauna. Um dos problemas
muito sério diz respeito á aplicação
indeterminada de defensivos agrícolas
organoclorados neste país, coincidindo, por
exemplo com o período de permanência (fim e
começo do ano) do falcão ártico cujo alimento
(aves) pode estar, assim, envenenado
(ANDRADE, 1993).
O perigo que os inseticidas constituem
para muitas aves, como anuns, andorinhas, etc.,
é um fato de grande seriedade, quando da
realização de tratos fitossanitários nas árvores
urbanas. Portanto, no planejamento desta
atividade deve-se atentar para o ciclo de
atividades das aves no intuito de se evitar
problemas graves para as mesmas.

- Estresse das aves

PERINI e AGILAR (1997) encontraram
desvio comportamental da coruja-buraqueira
que pode ter sido resultado devido ao estresse
do ambiente urbano. É provável que em
ambientes tão hostis, como os ecossistemas
urbanos, outras espécies de aves silvestres
também possam se estressar.

4. RESULTADOS
Página 385

Os principais impactos adversos
identificados em decorrência da Arborização
Urbana, incidentes sobre a avifauna, e as
respectivas medidas mitigadoras, são os
seguintes:

a) Redução espacial do hábitat da avifauna,
quando da remoção do espécime arbóreo
em degenerescência ou morto. MEDIDAS
MITIGADORAS: repor no mesmo local espécie
selecionada que proporcione condições
satisfatórias para a avifauna em termos de
abrigo, alimentação, nidificação. Aproveitar
o espaço sem pavimento (área de
crescimento ao redor da árvore) para plantio
de gramíneas ou herbáceas que sirvam de
fonte de alimento para as aves. Considera-se
como ideal, área de crescimento a partir de 1
m2. É necessário que o espécime a ser
plantado (muda) seja de boa qualidade
fitossanitária, para que não seja substituído
futuramente, em razão de desenvolvimento
inadequado.

b) Diminuição da capacidade suporte do meio
para a avifauna, em função da remoção de
árvores ou da aplicação de podas, durante a
manutenção das árvores urbanas. MEDIDAS
MITIGADORAS: selecionar espécies
adequadas à estrutura urbana, quanto ao
porte, evitando-se, assim, o excesso de
podas. Quanto aos indivíduos removidos,
replantar no mesmo local mudas com altura
superior a 2,5 m, uma vez que quanto mais
desenvolvida maior o volume de biomassa
para dar suporte a avifauna.

c) Afugentamento das aves, causado pela
presença humana próximo a árvore, bem
como por ruídos gerados a partir dos
equipamentos de manutenção. MEDIDAS
MITIGADORAS: utilização de equipamentos
que produzam menos ruídos; realizar a
manutenção em horários de menor
movimento das aves; evitar podas freqüentes
e desnecesárias ao longo do ano.

d) Destruição de áreas de nidificação da
avifauna, proveniente da aplicação de
podas nas árvores urbanas. MEDIDAS
MITIGADORAS: Estabelecer um calendário
para as podas rotineiras, respeitando-se o
período de reprodução das aves; para isto,
recomenda-se um levantamento qualitativo
da avifauna na área urbana a fim de se
verificar a adequação de um calendário de
podas. Faz-se necessário, também, um
trabalho de conscientização junto a equipe
de podadores a fim de que os mesmos
saibam reconhecer e localizar os ninhos,
antes da realização das podas, evitando-se a
destruição dos mesmos.

e) Contaminação e, ou, morte da avifauna,
quando da aplicação de produtos químicos
no combate a pragas e doenças nas árvores
urbanas. MEDIDAS MITIGADORAS:
Utilização de produtos químicos menos
agressivos à fauna silvestre em horários de
menor movimento das aves; pode-se lançar
mão do controle biológico e selecionar
espécies resistentes.

f) Morte de espécimes da avifauna (filhotes ou
adultos) por causas mecânicas, durante as
operações de manutenção. MEDIDAS
MITIGADORAS: Evitar podas em galhos
aonde se encontram os ninhos; proceder as
podas em horários de menor movimento das
aves. Ressalta-se que os espécimes adultos,
devido à facilidade de locomoção, possuem
maior capacidade de defesa nesta situação.

g) Possibilidade de intoxicação e eventual
morte das aves insetívoras, por
alimentarem-se de insetos controlados por
via química. MEDIDAS MITIGADORAS:
Substituir o uso de produtos químicos no
combate às pragas pelo controle biológico
de insetos.

h) Afugentamento de parte das aves frugíveras
pela escassez de espécies frutíferas nas
áreas urbanas. MEDIDAS MITIGADORAS:
Contemplar no Plano de Arborização um
percentual de espécies frutíferas, atrativas às
aves, a fim de que possam ser plantadas na
cidade, distribuídas proporcionalmente nos
quarteirões. Ressalta-se que, na literatura
especializada, encontra-se sugestões de
espécies frutíferas, de diferentes portes e
tipos de frutos, os quais podem ser plantadas
nas ruas e avenidas, guardadas as devidas
proporções e recomendações técnicas.
Página 386 

 Espécies com frutos maiores podem ser
plantadas em parques, bosques e locais
reservados, bem como nas praças públicas.

i) Afugentamento de parte das aves
nectarívoras devido à escassez de espécies
arbóreas com flores abundantes. MEDIDAS
MITIGADORAS: Contemplar no Plano de
Arborização um percentual de espécies
floríferas, atrativas às aves e cujo período de
permanência na planta seja o mais
duradouro possível; nas áreas de
crescimento, ao redor das árvores com
floração menos abundante, recomenda-se o
plantio de alguma forração herbácea florida.

j) Redução da fonte de alimentos da avifauna,
pela eliminação de espécimes produtores de
frutos e sementes comestíveis. MEDIDAS
MITIGADORAS: Contemplar no Plano de
Arborização um percentual de espécies
frutíferas, atrativas às aves, a fim de que
possam ser plantadas na cidade, distribuídas
proporcionalmente nos quarteirões.

k) Possibilidade de estreitamento da base
genética da avifauna, devido o afungentamento
e morte das aves, em decorrência
das atividades de manutenção e remoção de
árvores. MEDIDAS MITIGADORAS:
Implantação de um calendário de operações
para a manutenção das árvores, diferenciado
do período de reprodução das aves,
evitando-se, se possível, podas e tratos
fitossanitários. Recomenda-se um
levantamento qualitativo para melhor
conhecimento das espécies da avifauna.

5. CONCLUSÃO

Com este estudo acredita-se ter formado
uma base de dados primária que contribua para
o planejamento da Arborização Urbana, no que
concerne aos impactos ambientais negativos
incidentes sobre a avifauna, e que a mesma
possa subsidiar possíveis Planos de Arborização
a serem executados nas cidades. Por outro lado,
espera-se que o elenco de impactos listados
sirva de referencial para ampliação de impactos
potenciais a serem detectados a partir de
pesquisas na área da Silvicultura Urbana. Além
disso, conclui-se:

- Que apesar do E.I.A. não fazer parte da
práxis dos elaboradores do Plano de
Arborização, o mesmo deve ser
incorporado na fase de planejamento,
sobretudo a avaliação qualitativa da
avifauna, por ocasião do diagnóstico da
arborização.

- Na elaboração dos Planos de
Arborização Urbana geralmente se
negligencia os vários impactos
incidentes sobre a avifauna. Tais
impactos são evidentes a partir da
execução do referido plano,
essencialmente pela redução da
disponibilidade de alimento, abrigo e
refúgio.

- É possível fornecer abrigos naturais a
avifauna, via arborização, com chances
de bons resultados, desde que se proceda
a um manejo adequadamente da
cobertura vegetal urbana, mantendo-se a
biodiversidade e o equilíbrio ecológico
das espécies.

- Uma arborização planejada
adequadamente, levando em
consideração os aspectos ambientais,
sociais e econômicos, poderá propiciar
uma melhor qualidade de vida nos
ecossistemas urbanos.

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Página 388

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Bases Ecológicas Para o Desenvolvimento Sustentável

BASES ECOLÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
 
ECOLOGIA URBANA

Claudia Maria Jacobi


O SISTEMA URBANO É UM ECOSSISTEMA?

Alguns consideram as cidades como ecossistemas por estarem sujeitas aos mesmos
processos que operam em sistemas silvestres. Outros argumentam que a despeito de as cidades
possuírem algumas características encontradas em ecossistemas naturais,  não  podem  ser
consideradas  ecossistemas verdadeiros, devido à influência do homem. O fato é que se
definirmos ecossistema como um conjunto de espécies interagindo de forma integrada entre si e
com o seu ambiente, as cidades certamente se encaixam nesta definição. As grandes cidades e
outras áreas povoadas estão repletas de organismos. O construtor destes hábitats artificiais é o
homem, mas uma infinidade de outras criaturas aproveitam e se adaptam a esses novos hábitats
recém criados. Os organismos urbanos, incluindo o homem,  também se relacionam com  os
outros organismos e estas interações podem ser estudadas, sob o ponto de vista conceitual, da
mesma forma que relações ecológicas de ecossistemas naturais.
Por outro  lado, os centros urbanos se desenvolvem de forma diferente dos ecossistemas
naturais.  Alguns processos e relações ecológicas são mais intensos  nas cidades. Um exemplo é
a  invasão de espécies.  Outros  são  de  menor importância, como poderia ser o caso da
competição, enquanto que os mutualismos aparecem em porcentagem alta. Em outros casos,
como o da  sucessão  ecológica, os processos são mascarados pela constante interferência
humana. 

CARACTERÍSTICAS ENERGÉTICAS DOS ECOSSISTEMAS URBANOS

A produtividade, e conseqüentemente a diversidade e complexidade dos ecossistemas,
depende da obtenção de energia.  A principal fonte de energia na maioria dos ambientes naturais
é a solar. O sol atinge as áreas urbanas,  mas a produção é baixa, pois estas dependem
diretamente da quantidade de áreas verdes, que  é comparativamente pequena, e do estágio de
sucessão  das comunidades vegetais. A sobrevivência das cidades, portanto, depende da
importação de outros tipos de energia.
Enquanto  a grande maioria dos ecossistemas naturais tem seus próprios produtores de
energia (plantas verdes) os quais sustentam uma certa biomassa de consumidores, as  cidades
possuem pouca área verde e, mesmo nesses casos, as plantas não são utilizadas para consumo
humano,  com exceção das hortaliças. Estas áreas verdes, no entanto, cumprem funções
importantes  como a de produzir oxigênio, esfriar o ar por meio da sua transpiração, absorver
Página 1 

poluentes, servir como barreiras  acústicas  e  satisfazer necessidades estéticas. As cidades
tampouco têm um contingente suficiente de  animais  para consumo humano. Desta forma,
sobrevivem da importação de alimento de outras regiões, muitas delas do outro lado do mundo.
Cidades  também precisam importar uma série de outros recursos para sobreviver. Entre
eles  contam-se água e outras matérias primas. Em troca pelos produtos necessários à sua
sobrevivência,  as cidades fornecem bens manufaturados, serviços, informação, tecnologia e
formas de recreação. Ao mesmo tempo precisam se desfazer dos resíduos e do calor gerados por
estas atividades. A entrada constante e maciça de matéria para o sustento da cidade muitas vezes
supera a sua capacidade de eliminar resíduos,  o  que  traz  como conseqüência o aumento dos
níveis de determinadas substâncias até o ponto em que passam a ser considerados poluentes. O
problema  do  lixo  e  a sua degradação é um dos mais sérios nas grandes cidades. Os resíduos
sólidos  são geralmente depositados em áreas adjacentes aos centros urbanos, em aterros com
diversos  graus  de  segurança para evitar a contaminação do solo e dos lençóis freáticos. O
problema do grande volume de resíduos gerados  tem sido resolvido de forma parcial mediante
programas  de reciclagem de materiais como plástico, vidro, papel, metais, programas de
compostagem, ou uso de material biodegradável. Trata-se, no entanto, de processos industriais
caros e portanto economicamente inviáveis para muitos centros urbanos.


BIODIVERSIDADE  E RELAÇÕES INTERESPECÍFICAS

Qualquer área urbana é formada por uma variedade de hábitats, desde os  semi-naturais
até os  que surgem como conseqüência direta da ocupação humana. A interferência do homem
impõe  um  mosaico de pequenas paisagens adjacentes em uma área relativamente reduzida.
Assim, o espectro de hábitats nos centros urbanos é amplo: de parques municipais e florestas
urbanas até grandes áreas de construção civil, industrial e aterros.
Estas características de mosaico fazem com que a biodiversidade urbana possa ser mais
alta do que as áreas rurais adjacentes. Alguns centros urbanos constituem ilhas de diversidade
por  servirem  como  refúgio  de muitos animais que fogem de regiões devastadas. O complexo
urbano oferece a estas espécies lugares apropriados para a sua sobrevivência, alimento e, não
raramente, um local livre dos seus predadores e competidores naturais. No entanto, para que a
espécie  recém-chegada tenha sucesso como colonizadora é necessário que o ambiente urbano
contenha as condições adequadas para a  sua  sobrevivência, como alimento e locais para
reprodução. Naturalmente a abundância de muitas espécies está correlacionada negativamente
com o grau de urbanização. Plantas, por exemplo, precisam de solos especiais ou de um certo
tipo  de  polinizador  para  produzir  sementes. Em outros casos a espécie pode se desenvolver
somente em estágios avançados de sucessão ecológica, que em geral não ocorrem nas cidades.
Entre as plantas melhor adaptadas às cidades encontram-se aquelas de pequeno porte, resistentes 
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à poluição e pouco exigentes  em  termos  de  nutrientes, como são em geral as compostas e
gramíneas. 
Um exemplo de grupo de vertebrados que se adapta bem às cidades é o das aves, pela sua
grande capacidade de deslocamento e também  pela  plasticidade comportamental. As aves
podem utilizar qualquer fragmento de área com vegetação disponível.  Em  muitos  casos
adaptaram-se ao convívio com o homem de forma estreita, utilizando o alimento que obtêm do
mesmo  e sobrevivendo em construções. Naturalmente, nem toda espécie de ave consegue se
adaptar a áreas densamente povoadas, mas aquelas que conseguem atingem altos níveis
populacionais.  Exemplos  típicos de aves extremamente adaptadas aos ambientes urbanizados
são pardais e pombos, que utilizam até pedaços de arame para construir seus ninhos.
Outros vertebrados altamente dependentes da presença humana são os domesticados. Já
um  bom exemplo de animais dependentes das atividades humanas mas que não foram
introduzidos para domesticação são os ratos.  Estes têm as características de espécies invasoras:
plasticidade comportamental, alta capacidade de dispersão e alta capacidade reprodutiva, que é
ampliada pela ausência de inimigos naturais. As cidades também oferecem maiores chances de
hibridização ao quebrarem  barreiras  geográficas mediante a introdução de espécies de forma
acidental ou para uso do homem. Estas podem entrar em contato com espécies aparentadas, e
resultar em  híbridos.  O caso de híbridos de cão e coiote nos EUA é bem conhecido. Os coiotes
aproximaram-se dos povoados devido à destruição do seu hábitat natural. Entre os invertebrados
típicos de cidades têm lugar destacado as baratas, formigas, barbeiros, cupins, traças, piolhos e
mosquitos. Trata-se de espécies oportunistas ou diretamente vinculadas ao homem, muito bem
adaptadas às cidades e de difícil controle.
Todos os animais citados acima vivem em estreita associação com o homem, o que não
significa que sejam controlados por este. Quando o crescimento populacional de uma espécie
introduzida ou a sua atividade afeta alguma atividade humana, esta passa a ser considerada uma
praga.  A  definição de praga depende de cada ponto de vista. Pragas são organismos
considerados indesejáveis, e esta classificação varia com o tempo, local, circunstâncias e atitude
individual. Plantas que na natureza são parte do ambiente podem ser vistas como ervas daninhas
se danificam propriedades ou tornam-se competidoras de plantas ornamentais,  o  que
freqüentemente ocorre em áreas urbanizadas.
A introdução de espécies de outras regiões biogeográficas é um fenômeno universal, mas
a proporção de espécies introduzidas que se estabelecem com sucesso é maior nas cidades do
que  em  áreas  rurais ou de florestas. Isto torna-se possível por vários motivos: 1) alimento
disponível, 2) refúgio de inimigos  naturais, 3) reintrodução constante feita pelo homem,
intencional ou acidental, 4) hibridização entre espécies exóticas e nativas, 5) exploração de
novos nichos. 
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A taxa de  imigração costuma ser mais alta do que  a  de  extinção pelas constantes
reintroduções, mas uma sucessão ecológica, em que as espécies dentro de uma comunidade vão
sendo substituídas ao longo do tempo, raramente se verifica, pois as perturbações induzidas pelo
homem são grandes e freqüentes. Os processos vinculados à sucessão ecológica estão altamente
comprometidos,  pois  o  homem  age sobre estes continuamente, podendo interrompê-los ou
moldá-los  de  acordo com a sua conveniência. Devido a esta interferência, o  desequilíbrio
ecológico dos ecossistemas urbanos é constante. As perturbações podem ser diretas,  pela
mudança da paisagem mediante construções,  pavimentação,  passagem de veículos, diversos
tipos de controle sobre a vegetação como  plantios, podas, uso de herbicidas, ou uma
conseqüência destas, como deslizamentos  de  terra e inundações, erosão e diversas formas de
poluição.
Um dos principais componentes  estruturadores de comunidades são as interações
biológicas. Com relação às interações entre espécies, a  competição costuma ser  pouco
importante na maioria das áreas urbanas. Isto se deve a que a quantidade de nichos é grande, as
espécies que conseguem se adaptar encontram  recursos suficientes e as cidades passam
constantemente  por  transformações  que são prejudiciais para muitas das espécies, fazendo
regredir  ou  mudar  estas interações dependendo das mudanças efetuadas.  Mutualismos, no
entanto, verificam-se em proporção mais alta do que em muitos ambientes naturais. Na maioria
destes  trata-se  de  uma dependência recíproca entre o homem e outras espécies domesticadas
para seu proveito. Quanto à pressão de predação como força estruturadora da comunidade, esta
não se verifica na sua totalidade pois  a maior  parte da biomassa para alimentar os diversos
componentes  vem  de fora do sistema, mostrando uma alta dependência das áreas rurais,
notadamente outro tipo de sistema antropogênico (gerado pelo homem), que são os
agroecossistemas. A importação de alimento e  a falta de ligação entre as  comunidades  dos
diversos micro-hábitats  fazem  com que seja difícil elaborar  cadeias tróficas abrangentes dos
sistemas urbanos.


O MICROCLIMA URBANO

As estruturas urbanas e a densidade e atividade dos seus ocupantes  criam microclimas
especiais. A pedra, o asfalto e outras superfícies impermeáveis que substituem a vegetação têm
uma alta capacidade de absorver e re-irradiar calor. A chuva é rapidamente escoada antes que a
evaporação  consiga  esfriar  o ar. O calor produzido pelo metabolismo dos habitantes e aquele
gerado pelas indústrias e veículos ajudam a aquecer a massa  de  ar. Estas  atividades  também
liberam na atmosfera vapor, gases e partículas em grandes quantidades. 
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Estes processos geram uma região de calor sobre as cidades onde a temperatura pode ser
até 6o C mais alta do que no ambiente circundante. Este fenômeno é mais marcante no verão em
áreas temperadas, quando os prédios irradiam o calor absorvido.
As cidades recebem menos radiação solar que áreas rurais adjacentes pois parte desta é
refletida  por  uma camada de vapor, dióxido de carbono e matéria particulada. Esta mesma
camada faz com que a  radiação  emitida  pelo  solo seja refletida de volta para a terra. As
partículas no ar agem também como núcleos de condensação de umidade, produzindo um
nevoeiro conhecido como ‘smog’  (do  inglês ‘smoke’ + ‘fog’= fumaça + nevoeiro), a principal
forma de poluição do ar.
Normalmente o acúmulo de poluentes é carregado para o alto através das massas de ar,
que sobre as cidades apresentam um gradiente de temperatura em que o chão é mais quente que
as camadas superiores. No entanto, pode ocorrer que uma massa de ar mais quente que aquela
sobre a cidade se instale imediatamente sobre  esta, interrompendo o fluxo normal de ar  para
acima e impedindo que os poluentes e o calor se dissipem. Este  fenômeno, mais freqüente no
inverno e em cidades localizadas em vales, é conhecido com inversão térmica.
 Grandes cidades geralmente sofrem diariamente as conseqüências do  smog. Aquelas
sujeitas a smog industrial são chamadas de cidades de ar cinza e caracterizadas  por um clima
temperado, com invernos frios  e  úmidos.  As  atividades industriais e de aquecimento das
residências produzem dois tipos principais  de poluentes: partículas e óxidos de enxofre
(impurezas contidas nos combustíveis). Estes óxidos reagem com o vapor atmosférico formando
ácido sulfúrico, que corrói metais e outros materiais, além de ser perigoso para a saúde humana.
As cidades sujeitas a smog fotoquímico (de ar marrom) geralmente têm clima mais quente
e seco, e a maior fonte de poluição é a combustão  incompleta de derivados de petróleo, o que
favorece a formação de dióxido de nitrogênio, um gás amarelado. Na presença de  raios
ultravioletas este gás reage com hidrocarbonetos, formando uma série  de  poluentes  gasosos
conhecidos como oxidantes fotoquímicos. 
A maioria das grandes cidades sofrem de ambos os tipos de  smog.  As emissões de
dióxido de enxofre e de nitrogênio em contato com o vapor do ar convertem-se rapidamente nos
ácidos sulfúrico e nítrico, que podem ser carregados pelos ventos e  precipitar  em  lugares
distantes do onde foram gerados na forma de chuva ácida.
Alguns métodos para controlar a emissão de óxidos de enxofre e de partículas que têm
sido sugeridos são:  economizar  no  consumo  de energia, mudar as fontes de energia de
combustíveis fósseis para energia solar, eólica ou geotérmica, retirar o enxofre do combustível
antes ou depois da combustão e estabelecer impostos “ecológicos” sobre a emissão de
poluentes.
Entre os métodos sugeridos para reduzir a poluição por veículos destacam-se: otimizar o
uso de veículos particulares, melhorar o  transporte coletivo, utilizar motores elétricos e outros
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combustíveis como gás natural,  hidrogênio  e  álcool, aumentar a eficiência do combustível,
controlar a emissão de gases e de formação do smog.

PROBLEMAS ECOLÓGICOS DAS GRANDES ÁREAS URBANAS

Alguns dos aspectos mencionados anteriormente, como a importação de  alimento  e
energia, são comuns a qualquer centro urbano, independentemente do seu tamanho. Outros, no
entanto, acontecem de forma problemática somente nas grandes cidades. Entre estes últimos,
foram mencionados a poluição do ar e o destino dos resíduos sólidos. A construção desordenada
em  áreas  de  risco e as deficiências no  saneamento básico também afetam de modo mais
drástico as grandes cidades. 
Um  aspecto  importante que deriva diretamente da alta densidade populacional é o da
transmissão de doenças. Antes que os humanos  se  tornassem  sedentários com o advento da
agricultura, as condições para a transmissão e persistência de doenças virais e bacterianas eram
pouco adequadas, principalmente devido ao pequeno número de hospedeiros e seu isolamento.
À medida em que os núcleos urbanos foram crescendo, os seus habitantes viraram reservatórios
das doenças e a erradicação destas foi ficando mais complicada.  O comércio e posteriormente
as viagens intercontinentais propiciaram a introdução de doenças contra as quais as populações
não eram imunes. Atualmente, apesar  dos  avanços da medicina, características como
superpopulação, mudanças ambientais e intercâmbio intenso de mercadorias são fatores de risco
que beneficiam o espalhamento de novas doenças ou novas  formas  de  doenças  conhecidas,
principalmente aquelas como a gripe, cujos vírus têm uma alta taxa de mutação.

Da  forma  em  que existem atualmente, os sistemas urbanos são artificiais, imaturos e
ineficientes em termos energéticos. Precisam da importação de grandes volumes de  energia  e
alimento para a sua manutenção, e por isso não se auto-sustentam.  Por outro lado, cidades têm
caracteristicamente uma alta heterogeneidade espacial, o que proporciona uma alta diversidade.
Embora  isto  pareça  um  contra-senso,  casos de maior diversidade em cidades do que no
ambiente natural em que estão inseridas  são comuns. Como exemplo podemos  citar
povoamentos estabelecidos em regiões desertas  ou  áridas, em que água e outros recursos são
importados e concentrados na urbe. A manutenção da biodiversidade urbana é importante não só
para a própria sobrevivência do homem, mas também pelo seu valor intrínseco. Devido à forte
ligação dos organismos urbanos com o homem, é necessário um  envolvimento mais efetivo das
ciências naturais com as sociais  para  integrar os conceitos ecológicos ao processo de
planejamento urbano. Para haver esta integração, são necessárias mais pesquisas sobre quais são
e como se organizam os processos ecológicos que agem nos ecossistemas urbanos.
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BIBLIOGRAFIA

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na cidade? Ciência Hoje 33(193):64-68.
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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Administrando a Fauna Urbana

Administrando a Fauna Urbana

Inventário de arborização da PBH promete planejamento
Por Marina Vieira, Stephanie Zanandrais, 6º período
Stephanie Zanandrais
Foto: Stephanie Zanandrais
É só começar a chover que também chovem reclamações sobre árvores prestes a cair por toda a cidade. Podres, antigas, mal cuidadas. Em processo final de vida, plantada em lugar inapropriado, interferindo na fachada do prédio ou estourando o passeio. Sem contar que várias possuem troncos que atingem alturas elevadas e copas com frutos pesados, o que aumenta o risco de tragédias e prejuízos com uma eventual queda.  Ano passado, no mês de dezembro, somente um temporal foi capaz de derrubar 42 árvores na capital mineira devido à força dos ventos.Na região Centro-Sul, até maio deste ano, foram recolhidos 183 restos de galhos e árvores, e foram plantadas 287 mudas. Com isso, o que fazer para que a cidade arborizada, conhecida pelos grandes corredores verdes, vistos do céu, seja beneficiada em cada plantio e poda de árvores? E como viabilizar sem espantar os animais que completam a paisagem da vida ecológica num centro urbano? A arquiteta Marieta Cardoso, que trabalha com paisagismo urbano, parte estética da arborização, destaca: “devem ser observados fatores como porte, espécie, estrutura fisiológica. Mas existe também a necessidade de um monitoramento e de ações preventivas, já que a população pode ignorar que existe uma espécie para cada espaço”. Segundo o biólogo da Fundação Zoobotânica, Gladstone Corrêa, há um ponto positivo em preservar o verde em BH, pois a ‘’fauna urbana’’ tem sido colonizada por várias espécies de animais e umas das condições para que isso aconteça são os corredores ecológicos que existem entre as áreas verdes da cidade: “em plena Getúlio Vargas ou na Avenida Amazonas você vai encontrar aves que habitam em florestas como a Alma de gato, além de famílias de esquilos e micos que habitam as cidades graças a essa arborização.

 Recentemente, a Prefeitura de BH assinou um convênio com a Cemig, de R$ 3 milhões, para a construção de um inventário de arborização. O projeto será um banco de dados no qual a Prefeitura terá o conhecimento das mais de 235 mil árvores existentes na cidade e catalogará cada uma, além das mudas a serem plantadas, estudando cerca de 40 quesitos, desde a copa até a raiz. Segundo a Prefeitura, o espaço em torno da árvore também será estudado para que haja planejamento da calçada, da via e da rede elétrica.

Para Gladstone Corrêa, o projeto é minucioso e, por isso, requer tempo e investimento, uma vez que as mudas a serem plantadas, a partir de então, serão jovens com alturas entre dois e três metros, “as sementes estão sendo cultivadas e as mudas que serão utilizadas na substituição também”.  Para Marieta Cardoso, a maior dificuldade de replanejar a arborização da cidade é o que fazer com as árvores inadequadas. “Acho que durante esse processo muitas árvores irregulares podem ser encontradas. Isso é um problema, já que dependendo do porte e espécie é complicado replanta-la em outro lugar”, diz. A arquiteta observa que as árvores também podem ter função de identificar as vias públicas, “o ideal seria um tipo de árvore para cada espaço urbano, palmeiras nas avenidas, outro tipo de planta nas calçadas, levanto em conta, claro, os aspectos ambientais”.

 Para auxiliar o projeto da prefeitura foi criado um banco de sementes no qual espécies raras e mais adequadas à paisagem urbana estão sendo estocadas para atender a grande demanda de mudas que vão para as ruas e praças da cidade.

A Secretaria do Meio Ambiente informou que o projeto está em fase de planejamento, estruturação do termo de referência e contratação da empresa que fará o software (banco de dados). Mas, a previsão é que dentro de 18 meses, mesmo que não esteja finalizado, o inventário já possa ser usado pelos técnicos, de cada regional, que serão responsáveis por atualizar o software a cada mudança ocorrida na árvore catalogada. 
 INFOGRÁFICO 1                                                              Funções da Arborização 
- Melhorar a qualidade do ar através da Fotossíntese. 
- Absorver ruídos (barreiras acústicas).
 - Amenizar a temperatura (proteção térmica).
 - Funcionar como anti-poluente através das folhas. 
- Exercer função paisagística. 
- Fornecer abrigo e alimentação aos animais capazes de se adaptarem ao meio urbano.
 - Agir sobre o bem-estar físico e psíquico do homem.  
 INFOGRÁFICO 2 
De acordo com o CONSELHO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE (COMAM) alguns aspectos devem ser observados no plantio de árvores: 
- As espécies com raízes superficiais devem ser plantadas em locais amplos, tais como, parques, praças e canteiros centrais com pelo menos 2,00m de largura. 
- Deve-se evitar o plantio de espécies com espinhos ou acúleos, ou com tronco de pouca resistência e volumosos.
 - O formato e a dimensão da copa devem estar de acordo com o local do plantio. A dimensão deve ser compatível com o espaço físico, permitido o livre trânsito de veículos e pedestres, evitando também danos às fachadas, e conflitos com a sinalização, iluminação e placas indicativas.
 - Deve-se dar preferência às espécies de folhagem permanente. Quando selecionadas asespécies caducifólias, é importante verificar o tamanho e a textura das folhas para evitar o entupimento de calhas e bueiros. É necessário, também, evitar espécies de folhagens que criam sombreamento excessivo, em locais de pouca incidência de luz solar. 
- Deve-se evitar a utilização de espécies que produzam frutos grandes e carnosos em arborização de vias públicas, evitando assim, acidentes com pedestres e veículos. - É necessária a utilização de espécies resistentes ao ataque de pragas e doenças, tendo em vista, que não é adequado o uso de fungicidas e inseticidas em meio urbano, pois podem comprometer a saúde da população. 


Fonte: http://jornalimpressao.com.br

Os Senhores da Noite

Os Senhores da Noite

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Injustamente mal-amados Os morcegos, únicos mamíferos verdadeiramente voadores, são quase desconhecidos do cidadão comum. No Ano Internacional do Morcego,
o biólogo Jorge Nunes penetra no mundo destes animais noturnos e mostra como é infundada a antipatia que nutrimos por eles.
Ao cair da noite, as aves começaram a abandonar os céus. No seu lugar, surgiram esquivas sombras fantasmagóricas, que andavam atrás dos insetos, atraídos pela intensa luminosidade dos lampiões. Os transeuntes, que se passea­vam vagarosamente pelas ruas aproveitando a brisa fresca do crepúsculo, nem davam pela sua presença. Porém, num dos recantos do Jardim da Cordoaria, aos pés da Torre dos Clérigos, encontrava-se um invulgar ajuntamento de pessoas com os olhos postos no céu. Enquanto os turistas empanturravam os cartões de memória das máquinas fotográficas com a beleza do monumento (ex-libris da cidade invicta), que sobressaía do casario banhado pela luz dourada e mágica do entardecer, os jovens e adultos daquele estranho grupo prestavam mais atenção às criaturas voadoras.
Do amontoado de pessoas, destacava-se uma enérgica figura feminina, com estatura mediana, cabelo grisalho e olhos sorridentes que brilhavam como faróis. Falava com entusiasmo sobre os extraordinários quirópteros (grupo taxonómico no qual se incluem os morcegos, do grego kheir, “mão”, e pteron, “asa”) que as sobrevoavam. Enlevada pela atenção que todos pareciam dar ao tema, ia desfiando curiosidades, umas atrás das outras: desde o modo peculiar como localizam as presas até à forma como hibernam, dão à luz e amamentam as crias, nuas e cegas, em abrigos subterrâneos. Os mitos e medos infundados não foram esquecidos, bem como a enorme importância ecológica e os perigos e ameaças a que têm estado sujeitos. Os olhos curiosos da assistência bailavam entre o discurso e a linguagem corporal contagiante da oradora e os voos rasantes dos morcegos que iam desaparecendo levados pelo breu da noite.
Luzia Sousa, do Museu de História Natural da Faculdade de Ciências do Porto, sabia bem do que falava. Afinal, há muito que se tornou embaixadora dos morcegos. Através de incontáveis ações de esclarecimento e educação ambiental, não se tem poupado a esforços para os dar a conhecer aos cidadãos e, em particular, ao público escolar. Está plenamente convicta de que a sua conservação terá de passar pela consciencialização das pessoas: “Como conseguiremos defender aquilo que não conhecemos?”, interroga-se. “De modo algum nos poderemos dar ao luxo de proteger apenas as espécies ‘queridas’, apenas as que nos cativam com o seu aspeto ‘fofinho’ ”, conclui. Pela forma entusiasmada como todos reagiram àquelas palavras, percebeu-se que tinha atingido os seus objetivos; acabava de cativar mais umas quantas almas para a sua causa nobre: divulgar e proteger os morcegos.
O exemplo de Luzia Sousa, felizmente, não é caso único em Portugal. Se tivéssemos percorrido os cerca de seiscentos quilómetros que separam o Douro Litoral do Algarve, teríamos vivido, alguns dias mais tarde, uma experiência muito similar junto às muralhas de Lagos. António Valadares, coordenador do Centro Ciência Viva local, conta como foram entusiasmantes as noites dos morcegos por terras algarvias. Mesmo quando não foi possível observá-los, um conversor de ultrassons em sons audíveis permitiu ouvi-los e até distinguir as espécies. O mais interessante, salienta, “é mostrar às pessoas [aproximadamente 35 em cada sessão] que os morcegos são bichos muito úteis e que coexistem connosco, mesmo no interior das grandes cidades”.
Ao passar os olhos pela edição 2011 do projeto Ciência Viva no Verão (http://www.cienciaviva.pt), descobrimos que se realizaram muitas outras iniciativas (32 em todo o país) relacionadas com a observação, a audição e a divulgação dos quirópteros portugueses. Em Lisboa, estiveram a cargo da Liga para a Proteção da Natureza e do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos; em Santarém, decorreram no Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros; em Tomar, foram promovidas pela Quercus; no Porto, tiveram o acolhimento do FAPAS – Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens; em Bragança, foram dinamizadas pelo Centro Ciência Viva. Contudo, mesmo fora das atividades de verão promovidas pela Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, muitas outras ações poderiam aqui ser referenciadas. Falar de morcegos parece estar na moda.
O Ano do Morcego
O crescente interesse pelos morcegos a que temos vindo a assistir nos últimos anos poderá encontrar justificação, segundo o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), no facto de estes animais terem sido, “até recentemente, quase completamente ignorados pelas instituições de todo o Mundo”, sobretudo, devido aos poucos conhecimentos disponíveis sobre a sua biologia e ecologia, a que se juntou uma má imagem pública. No entanto “a óbvia regressão das populações de muitas espécies e a consciencialização de que muitas delas estão entre os animais mais ameaçados” levaram a que, nos últimos anos, “os morcegos começassem a ocupar lugares de destaque nas prioridades de intervenção de muitas instituições de conservação”.
Depois de 2001 ter sido estabelecido como o Ano Internacional dos Morcegos, com o objetivo de contribuir para o reconhecimento da importância destes animais por parte da população mundial, de forma a contrariar a sua tendência de extinção, dez anos volvidos, comemora-se, em 2011/2012, o Ano do Morcego (http://www.wix.com/anodomorcego/icnb). Trata-se de uma campanha lançada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pelo Acordo para a Conservação das Populações Europeias de Morcegos (Eurobats) e visa, mais uma vez, divulgar a importância dos morcegos e da sua conservação.
O Eurobats chegou a Portugal em 1995, através de um decreto-lei realizado à luz da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migradoras Pertencentes à Fauna Selvagem (Convenção de Bona). As principais linhas de ação, que têm vindo a ser tomadas pelo ICNB, em colaboração com a Faculdade de Ciências de Lisboa, passam pela proibição da captura deliberada, do aprisionamento e da morte de morcegos, pela identificação dos locais importantes para o estatuto de conservação destes animais, pela conservação dos seus principais habitats, pelo desenvolvimento de programas de investigação e pela tomada de medidas para promover a proteção das espécies e consciencializar o público.

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O dom de voar Definitivamente, os morcegos não nasceram para se deslocar em terra, onde são bastante desajeitados e lentos. Entre o grupo dos mamíferos, apenas eles conseguiram adaptar-se com êxito ao meio aéreo. Uma proeza que, segundo os restos fossilizados mais antigos do mundo descobertos até agora, terá começado no Eoceno Superior, há cerca de 52 milhões de anos. Os cientistas que os estudaram concluíram que as asas bem desenvolvidas dessa espécie primitiva (Onychonycteris finneyi) são uma forte evidência da sua apetência para o voo.
A origem filogenética e geográfica dos morcegos permanece, no entanto, desconhecida. Não faltam hipóteses, mas são poucas as certezas. Embora se diga muitas vezes que os morcegos são “ratos com asas”, as evidências fósseis parecem afastar a hipótese de que tenham evoluído a partir dos roedores. Os estudos mais recentes apontam para que o seu ancestral evolutivo tenha sido um mamífero insetívoro, de pequeno porte e hábitos noturnos, parecido com os musaranhos e as toupeiras atuais.
Qualquer que tenha sido a verdadeira origem destes bichos, uma coisa é certa: nasceram para voar. Os seus membros anteriores (que correspondem a mãos e braços modificados), transformados em asas, são a caraterística mais visível da locomoção no ar. Os especialistas alertam, contudo, que essas asas são muito diferentes das dos insetos (que terão começado a voar há 300 milhões de anos), dos extintos répteis voadores (os pterossauros que dominaram os céus há 200 M.a.) ou até mesmo das aves (que só se tornaram voa­doras há 150 M.a.). Constata-se, assim, que o voo de todos estes distintos animais terá surgido por evolução convergente, isto é, através de estruturas anatómicas diferentes que acabaram por possibilitar a mesma função. Curiosamente, embora tenham funções diferentes, as asas dos morcegos e os braços humanos são estruturas homólogas, isto porque têm a mesma origem embriológica e ambas possuem os mesmos ossos (úmero, rádio, cúbito, carpo, metacarpo e falanges), denotando assim uma ancestralidade comum.
As asas dos morcegos, que lhes dão sustentação no ar, são rígidas, leves e impermeáveis, e correspondem a uma expansão cutânea, conhecida como “membrana alar” ou “patágio” (camada dupla de pele, desprovida de pelagem protetora, na qual existem fibras elásticas e musculares e vasos sanguíneos). Esta é suportada pelos quatro dedos longos da mão (o primeiro dedo corresponde a um polegar curto que se distingue dos restantes por possuir uma garra), que funcionam como as varetas de um guarda-chuva, estendendo-se até às patas traseiras e à coluna vertebral. Localizada entre os membros posteriores (prendendo geralmente a cauda), e funcionando como leme durante o voo, existe ainda a membrana caudal ou uropatágio. Outras caraterísticas que os tornam ligeiros e aerodinâmicos são o esterno com quilha, à semelhança das aves, os músculos peitorais fortes inseridos no esterno e nos braços e os ossos compactos e leves.
Ainda que tenham facilidade em se locomover no ar, a maioria dos morcegos faz apenas curtas deslocações noturnas para procurar alimento (todas as espécies europeias são insetívoras). Há noites, no entanto, em que chegam a percorrer áreas com pelo menos 15 quilómetros de raio, desde os abrigos até aos territórios de caça. Porém, as grandes viagens acontecem normalmente durante as migrações, quando se mudam dos abrigos de criação para os de hibernação e vice-versa. Através de anilhagem, foi possível descobrir que algumas espécies são viajantes de longo curso: o morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii) pode percorrer cerca de 400 quilómetros e o morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula) chega a atingir os 960 km, sendo o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) o recordista absoluto: um exemplar anilhado na Rússia apareceu são e salvo na Bulgária, depois de percorrer 1150 km.
Ver com os ouvidos
A aptidão única de locomoção no ar ofereceu aos morcegos um admirável mundo novo, onde a competição com os outros mamíferos (todos terrestres ou aquáticos) era inexistente. Os seus hábitos noturnos, porém, levantaram problemas de orientação. Embora tenham olhos e possuam uma visão bem desenvolvida (com uma retina repleta de bastonetes, células sensíveis à baixa intensidade luminosa, que torna descabida a expressão popular “cego como um morcego”), isso de pouco lhes vale na escuridão da noite e dos abrigos subterrâneos onde muitas vezes se escondem.
O fenómeno batizado com o nome de “ecolocação” foi a solução encontrada por estes mamíferos, milhões de anos antes de o homem ter imaginado o sonar e o radar, para superar as limitações visuais no ambiente noturno. Através de adaptações morfológicas e sensoriais, que foram sendo positivamente valorizadas pela seleção natural, os morcegos desenvolveram um apurado sistema de ecolocalização (utilizado também por outros organismos, como os cetáceos e algumas aves). Este consiste na emissão de sons de alta frequência – na gama dos ultrassons (com frequência superior a 20 kHz), portanto não audíveis pelo ser humano – e na análise dos ecos recebidos do meio pelos seus ouvidos altamente sensíveis. A receção dos ultrassons faz-se através de pequenos pêlos no interior dos ouvidos, cujo desempenho é determinado por uma proteína, a prestina, codificada por um gene com o mesmo nome. Curiosamente, segundo estudos publicados há pouco, a evolução da capacidade de ecolocação nos golfinhos e morcegos parece ter seguido caminhos evolutivos paralelos, através das mesmas mutações sobre o gene da prestina.
Quando se propagam no espaço, os sons são intercetados e refletidos (na forma de eco) por todos os obstáculos (vegetação, rochedos e construções) da área envolvente e pelas potenciais presas (insetos), sendo por isso recebidos de volta com caraterísticas um pouco diferentes do ultrassom emitido. É com base nestas pequenas diferenças que os morcegos conseguem perceber – através de especializações nos centros auditivos do cérebro, que lhes permitem uma correta interpretação dos dados provenientes do biossonar – a forma e a distância a que estão dos objetos e se estes estão parados ou em movimento. Deste modo, orientam-se e detetam as presas na escuridão mediante a receção e análise do eco dos ultrassons que eles próprios emitem. Esta capacidade de criar “imagens auditivas” é uma espécie de “sexto sentido”. Pode dizer-se que os morcegos veem com os ouvidos!
As vocalizações dos quirópteros (que em determinadas circunstâncias podem ser audíveis aos ouvidos humanos), contudo, não servem apenas para orientação espacial e captura de presas: também são usadas para a comunicação e a socialização intraespecífica (que inclui sinais acústicos, olfativos e táteis). Além disso, como as propriedades físicas (frequência, duração e intervalo, etc.) dos ultrassons emitidos variam conforme as espécies, é possível usá-los para identificá-las. Esta é, aliás, a técnica mais utilizada para identificar e estudar estes discretos animais, que raramente são vistos, mas podem ser escutados com alguma facilidade, desde que se possua equipamento adequado.

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Viver de pernas para o ar O voo dos morcegos é uma atividade exclusivamente noturna ou crepuscular. Quando surge a luz, regressam a casa, para se ocultarem dos inúmeros predadores diurnos que facilmente os capturariam. Como não cons­troem os seus próprios ninhos ou refúgios, recorrem a abrigos naturais ou edificados pelo homem: fendas estreitas em rochedos, muros e pontes, telhados de igrejas e casas, habitações devolutas, cavidades nos troncos de árvores e, principalmente, grutas ou minas abandonadas (metade dos morcegos portugueses são espécies cavernícolas).
Quando pousam, fixam-se às superfícies através das garras que possuem nos membros posteriores, mantendo uma posição bastante incomum, de cabeça para baixo. Curiosamente, a adoção da suspensão e da posição invertida não implica qualquer esforço muscular, graças a um mecanismo automático de encurvamento das garras.
Os investigadores aventam duas explicações para tão estranha forma de repouso: por um lado, ficam fora do alcance de possíveis predadores, que dificilmente se conseguirão deslocar em superfícies suspensas; por outro, sobretudo no caso dos morcegos que habitam em cavernas, economizam uma enorme quantidade de espaço, podendo reunir grande número de indivíduos em sítios exíguos.
Quando o frio aperta e os insetos escasseiam, o que costuma acontecer a partir do final do outono, os morcegos são obrigados a hibernar. Entram assim numa letargia forçada, permanecendo imóveis (com as asas a cobrir o corpo como casacos naturais), reduzindo ao mínimo o seu metabolismo e os gastos energéticos e consumindo lentamente as reservas de gordura acumuladas durante os meses quentes. Se a hibernação for frequentemente interrompida (por exemplo, pelas atividades humanas), as reservas energéticas serão mais rapidamente consumidas, podendo não ser suficientes para assegurar a sobrevivência até à primavera seguinte. Quando isto acontece, os animais morrem.
Fecundação retardada
Além dos abrigos de hibernação (geralmente, grutas e minas), que são por norma usados por um elevado número de indivíduos em letargia, os morcegos possuem ainda abrigos de criação, que são ocupados sobretudo por colónias de fêmeas reprodutoras ativas, durante a fase final de gravidez, o nascimento e o desenvolvimento dos jovens, e abrigos intermédios de primavera e outono, correspondentes aos refúgios procurados entre as épocas de criação e de hibernação. Regra geral, verificam-se migrações sazonais (muito comuns nas espécies cavernícolas portuguesas) entre os diversos abrigos, que podem distar apenas algumas centenas de metros ou dezenas de quilómetros.
Durante a época de reprodução, algumas grutas chegam a acolher colónias com milhares de indivíduos de diferentes espécies. Ainda que cada uma delas possua distintas estratégias reprodutivas, todas partilham um fenómeno surpreendente (exclusivo dos morcegos insetívoros), denominado “fecundação retardada”. Explica-se da seguinte forma: no acasalamento, que ocorre predominantemente no outono, as fêmeas recolhem o esperma; no entanto, não o utilizam de imediato, mas armazenam-no no útero durante todo o período letárgico; apenas na primavera seguinte, quando o clima aquece e volta a existir abundância de alimento, é que o utilizarão para fertilizar os seus óvulos. Este mecanismo fisiológico de armazenamento de espermatozóides tem despertado enorme interesse na comunidade científica, especialmente nos investigadores relacionados com a reprodução medicamente assistida e com o transplante de órgãos.
Cerca de 40 a 60 dias após a fecundação (geralmente, em fins de maio ou princípios de junho), ocorre o parto. A fêmea prende-se ao teto da gruta, com as garras dos seus quatro membros, e recolhe a cria com o uropatágio. Esta vem ao mundo nua e cega, e somente após alguns dias começará a crescer-lhe uma pelagem macia e acinzentada e os olhos se abrirão. Como acontece com todos os mamíferos, será zelosamente amamentada durante os primeiros tempos de vida, acabando por adquirir o aspeto adulto em poucos meses. A maturidade sexual, porém, apenas será atingida ao fim de dois anos (quatro anos em algumas espécies, como o morcego-de-ferradura-grande, Rhinolophus ferrumequinum). Este facto é muito importante, porque contribui para uma baixa capacidade de regeneração das populações, uma vez que muitos indiví­duos acabam por morrer sem terem sequer começado a reproduzir-se. Além disso, como ao longo da sua evolução a maioria das espécies foi submetida a uma reduzidíssima pressão predatória, possuem também uma baixa taxa de reprodução (uma única cria por ano).
A maturação sexual tardia e a taxa de reprodução baixa parecem, todavia, ser compensadas com uma grande longevidade. Algumas espécies, como o morcego-de-ferradura-grande, podem alcançar os trinta anos de idade, embora a esperança média de vida ronde os vinte anos (mesmo assim, muito superior aos doze meses dos roedores de igual tamanho). Logo, em proporção ao seu tamanho (comprimento corporal entre 3,5 e 10 cm), os morcegos são, sem sombra de dúvida, os mamíferos com maior longevidade.

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Animais malditos Poucos animais têm sido encarados com tanto ódio (exceção feita talvez ao lobo, aos répteis e às aranhas) como os morcegos. No entanto, esta animosidade secular parece ter causas muito variadas, assentes, principalmente, na sua aparência e nos seus hábitos de vida. Desde logo, o seu aspeto: são “feios”, segundo as noções estéticas da maioria dos humanos. Além disso, são “estranhos”: gostam da noite, dormem de pernas para o ar e habitam em locais escuros e recônditos; são “perigosos”, pois agarram-se aos cabelos e transmitem doenças; são “criaturas do demónio”, porquanto existe um pacto entre estes animais e Satanás (amiúde, representa-se o diabo com asas de morcego, enquanto os anjos ostentam asas de aves), sendo por isso mesmo prenúncios de morte e azar; são “vampiros sanguinários” que chupam o sangue às pessoas enquanto dormem (relembra-se que toda as espécies europeias são insetívoras!); têm “poderes mágicos”, pelo que foram historicamente usados na confeção de poções de amor, de bebidas que possibilitavam a obtenção de várias aptidões ditas “paranormais” ou até mesmo para a cura de tumores, artrites e doenças de visão, entre outras. Enfim, um rol de inverdades, mitos e crenças infundadas (ampliadas pela literatura e pelo cinema de ficção: quem não se lembra do Drácula?), que em muito contribuiu para denegrir a sua imagem junto do público e para o seu desprezo, durante décadas, em termos de conservação.
Ainda há quem acrescente que, além de serem “feios, porcos e maus”, os morcegos “não servem para nada”. Porém, de modo algum poderemos subestimar a sua importância ecológica e o inestimável serviço que nos prestam. Além de inofensivos, eles são na verdade inseticidas naturais muito eficazes, pois contribuem para o controlo dos insetos responsáveis por pragas agrícolas ou pela transmissão de doenças e para o equilíbrio dos ecossistemas. Cada morcego consome, por noite, mais de metade do seu peso em insetos. Feitas as contas, se considerarmos todas as espécies, estamos a falar de uma significativa importância económica, devido às dezenas de toneladas de insetos prejudiciais exterminados diariamente.
Os morcegos são também essenciais para a subsistência dos ecossistemas cavernícolas, onde se encontram comunidades de invertebrados singulares que apenas habitam nas grutas naturais. Estes organismos, ainda insuficientemente conhecidos, parecem estar totalmente dependentes da matéria orgânica (excrementos depositados no chão das cavernas) transportada pelos seus vizinhos alados.
No entanto, e para que conste, nem todas as civilizações abominam os morcegos. Na China e no Japão, por exemplo, eles são vistos com outros olhos, e por isso considerados como símbolos de sorte e de longa vida, surgindo frequentemente a ornamentar objetos. Mais perto de nós, na cidade espanhola de Valência, o morcego também serve de mascote, surgindo a sobrevoar a coroa real do brasão de armas. Contudo, estas são situações excecionais que parecem apenas ajudar a confirmar a regra: os morcegos têm sido, desde tempos imemoriais, animais excomungados.
Preciosidades a presevrar
Conhecem-se cerca de 1200 espécies de morcegos em todo o mundo. Destas, vivem 40 na Europa, das quais 27 ocorrem em território português, constituindo quase 40 por cento da fauna de mamíferos terrestres do país. Enquanto determinadas espécies se conseguiram adaptar bem à progressiva humanização da paisagem, outras (infelizmente, a maioria) têm vindo a regredir, estando mesmo à beira da extinção. No território continental, as mais ameaçadas são o morcego-rato-pequeno (Myotis blythii), o morcego-de-ferradura-mourisco (Rhinolophus mehelyi) e o morcego-de-ferradura-mediterrânico (Rhinolophus euryale).
Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, apenas seis espécies são consideradas com estatuto de “pouco preocupante”; das restantes, muitas têm estatuto de “criticamente em perigo” ou “em perigo”, ou são consideradas “vulneráveis”. Registe-se que para nove espécies a informação disponível ainda é insuficiente para se poder avaliar as suas tendências populacionais. No entanto, independentemente do seu estatuto de amea­ça, todas as espécies estão protegidas por legislação nacional (desde 1967, por um decreto que reconhece a necessidade de proteger os morcegos) e internacional (Diretiva Habitats, Convenção de Berna e Convenção de Bona, de que resultou o Eurobats).
Mais de metade dos morcegos portugueses são cavernícolas, sendo também, curiosamente, os mais ameaçados. De acordo com o ICNB, esta situação resulta da reduzida capacidade de recuperação (conferida pela tardia maturidade sexual e pela baixa taxa de reprodução) e do seu caráter colonial, sobretudo durante as épocas de criação e hibernação, quando as colónias chegam a atingir milhares de indiví­duos concentrados numa única gruta. Assim, não é de estranhar que a destruição e perturbação dos abrigos, afetando de uma só vez inúmeros indivíduos, sejam as principais amea­ças para estas espécies que escolheram viver em cavernas.
A lista de fatores que afetam os morcegos é, porém, muito mais vasta: inclui igualmente a destruição e fragmentação das áreas de alimentação, sobretudo das florestas de folhosas autóctones, das galerias ripícolas e da vegetação nos habitats ribeirinhos, com consequente diminuição do alimento disponível; a poluição, nomeadamente por pesticidas e fertilizantes utilizados na agricultura, que afeta a qualidade do solo e da água (diminuindo a ocorrência dos insetos aquáticos, por exemplo) e envenena juvenis e adultos devido à bioacumulação; os incêndios e a desflorestação, que afetam principalmente as espécies arborícolas; e a pressão antropogénica, resultante de atividades turísticas, como a espeleologia, da exploração eólica (segundo vários estudos, esta pode acarretar uma considerável perturbação ou destruição dos abrigos, perturbação ou perda de áreas de alimentação ou de corredores de migração e alguma mortalidade, por colisão dos morcegos com os aerogeradores) e dos atropelamentos (dado que muitas espécies voam muito próximo do solo), entre outros.
Alguns autores têm vindo a salientar que os quirópteros são excelentes indicadores da qualidade da natureza, devido à sua longevidade, pequeno tamanho, mobilidade e exigências ambientais.
Apesar do aumento do conhecimento sobre os morcegos e do muito que já se fez em Portugal, ainda há um longo caminho a percorrer até que se consigam criar planos efetivos para a conservação de todas as espécies ameaçadas. Uma das prioridades continuará a ser a mudança da sua imagem pública: pelas suas singularidades biológicas e pelo inestimável serviço prestado ao equilíbrio dos ecossistemas e à humanidade, os senhores da noite merecem todo o nosso respeito.
J.N.

Morcegos em casa
Sabia que os morcegos podem entrar-nos pela casa adentro? Se tal acontecer, o guia Tenho Morcegos em Casa, o que Devo Fazer?, disponibilizado pelo ICNB, deixa algumas informações e conselhos.
Os morcegos não são agressivos e não atacam, mas, sendo animais selvagens, podem assustar-se e reagir se tentarmos capturá-los (deve evitar-se pegar-lhes, devido ao perigo de se ser mordido; se for mesmo necessário tocar-lhes, use sempre luvas).
Na maioria das vezes, os morcegos entram nas casas por engano, pelo que devemos facilitar a sua saída: se for de noite, deve isolar-se a divisão, abrir as janelas e desligar a luz, deixando-o sair sozinho; se for de dia, deve ser capturado com uma caixa de cartão e libertado durante a noite (desde que não esteja a chover ou faça muito frio ou vento), num sítio calmo e sem luz.
Se o animal estiver ferido ou não voar, deve contactar-se a área protegida mais próxima, para que seja recolhido pelos técnicos.
Todavia, algumas espécies podem visitar-nos de forma mais prolongada, hospedando-se nas nossas casas, geralmente em pequenas fendas (basta um espaço de 2 por 1,5 centímetros para um morcego-anão, e de 5 por 2,5 cm para as outras espécies), caixas de estore, aberturas debaixo das varandas, sótãos e caves. A confirmação da presença de morcegos num edifício pode ser feita por observação direta (difícil durante o dia, sobretudo no caso de espécies que se abrigam em fendas), pela escuta dos seus guinchos (particularmente audíveis nos meses quentes e no caso de colónias numerosas) ou pela presença de guano (os excrementos dos morcegos distinguem-se dos de outros animais por ficarem reduzidos a pó se forem esmagados, uma vez que são constituídos quase exclusivamente pela quitina dos insetos). O guano que venha a ser recolhido pode ser utilizado como fertilizante, e é considerado um excelente adubo.
De acordo com os especialistas, não há problemas em coabitar com morcegos, desde que se tenham dois cuidados: não tocar no guano e na urina (não sendo comum a propagação de doenças através de excrementos, os contatos acidentais com a boca podem causar infeções gastrointestinais) e não mexer nos animais. Segundo o ICNB, “apesar de algumas espécies de morcegos poderem transmitir raiva por mordedura, arranhadela ou contacto com olhos, nariz ou boca, são muito raros os casos de transmissão dessa doença aos seres humanos”. Porém, no caso de alguém ser mordido ou arranhado por um morcego, a ferida deve ser imediatamente lavada com água e sabão e deve-se contactar um médico; se possível, o animal deve ser capturado vivo e mantido numa caixa de cartão, para ser analisado.
Quando as colónias são numerosas e provocam estragos elevados ou constituem perigo para a saúde pública, poderá ser necessário afastá-las dos edifícios. “Tendo em conta que todas as espécies de morcegos estão protegidas por lei, quaisquer ações de exclusão têm de ser autorizadas”, adverte o ICNB, que é a entidade a quem cabe autorizar tais operações de despejo (talvez não seja demais recordar que o abate ou a captura ilegal de morcegos são práticas proibidas). Quaisquer trabalhos de exclusão, devidamente autorizados, só devem ser feitos fora das épocas de criação e de hibernação, podendo ocorrer de 15 de março a 30 de abril, ou entre 20 de agosto e 30 de novembro.
Algumas pessoas, mais sensibilizadas para a importância ecológica dos morcegos, gostam de tê-los por perto. Uma estratégia para os atrair (ou para aumentar a probabilidade de determinados edifícios não serem de novo invadidos), passa pela colocação de abrigos artificiais nas paredes exteriores, nos rebordos dos telhados ou nas imediações das casas. O ICNB informa que “este tipo de abrigo já foi colocado nalgumas zonas do país, tendo algumas caixas atraído com sucesso centenas de indivíduos (foram já contabilizados 238 morcegos numa caixa-abrigo colocada no Algarve)”.
A sã convivência entre humanos e morcegos não só é possível como desejável. Um notável exemplo é o facto de centenas de morcegos vigiarem, desde que há memória, duas das mais antigas bibliotecas de Portugal: a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra e a do Palácio de Mafra. Voando livremente nesses espaços bibliotecários, capturam os insetos e asseguram, com a sua inestimável presença, a preservação de documentos centenários e livros valiosos, que permanecem em ótimo estado de conservação. Em contrapartida, as mesas de leitura têm de ser cobertas durante a noite, para evitar que o guano se deposite sobre elas; pela manhã, recolhem-se as coberturas e varre-se o solo.
Se tiver a sorte de a sua casa ou o seu jardim serem escolhidos pelos morcegos, agradeça a honra e (chiu!) faça pouco barulho no inverno, para não os acordar. Verá como lhe retribuirão a boa vizinhança durante o verão, quando cada um deles devorar mais de 500 insetos por dia. Nenhum outro inseticida será tão eficaz e saudável como os seus amigos voadores.

SUPER 163 - Novembro 2011