quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Bases Ecológicas Para o Desenvolvimento Sustentável

BASES ECOLÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
 
ECOLOGIA URBANA

Claudia Maria Jacobi


O SISTEMA URBANO É UM ECOSSISTEMA?

Alguns consideram as cidades como ecossistemas por estarem sujeitas aos mesmos
processos que operam em sistemas silvestres. Outros argumentam que a despeito de as cidades
possuírem algumas características encontradas em ecossistemas naturais,  não  podem  ser
consideradas  ecossistemas verdadeiros, devido à influência do homem. O fato é que se
definirmos ecossistema como um conjunto de espécies interagindo de forma integrada entre si e
com o seu ambiente, as cidades certamente se encaixam nesta definição. As grandes cidades e
outras áreas povoadas estão repletas de organismos. O construtor destes hábitats artificiais é o
homem, mas uma infinidade de outras criaturas aproveitam e se adaptam a esses novos hábitats
recém criados. Os organismos urbanos, incluindo o homem,  também se relacionam com  os
outros organismos e estas interações podem ser estudadas, sob o ponto de vista conceitual, da
mesma forma que relações ecológicas de ecossistemas naturais.
Por outro  lado, os centros urbanos se desenvolvem de forma diferente dos ecossistemas
naturais.  Alguns processos e relações ecológicas são mais intensos  nas cidades. Um exemplo é
a  invasão de espécies.  Outros  são  de  menor importância, como poderia ser o caso da
competição, enquanto que os mutualismos aparecem em porcentagem alta. Em outros casos,
como o da  sucessão  ecológica, os processos são mascarados pela constante interferência
humana. 

CARACTERÍSTICAS ENERGÉTICAS DOS ECOSSISTEMAS URBANOS

A produtividade, e conseqüentemente a diversidade e complexidade dos ecossistemas,
depende da obtenção de energia.  A principal fonte de energia na maioria dos ambientes naturais
é a solar. O sol atinge as áreas urbanas,  mas a produção é baixa, pois estas dependem
diretamente da quantidade de áreas verdes, que  é comparativamente pequena, e do estágio de
sucessão  das comunidades vegetais. A sobrevivência das cidades, portanto, depende da
importação de outros tipos de energia.
Enquanto  a grande maioria dos ecossistemas naturais tem seus próprios produtores de
energia (plantas verdes) os quais sustentam uma certa biomassa de consumidores, as  cidades
possuem pouca área verde e, mesmo nesses casos, as plantas não são utilizadas para consumo
humano,  com exceção das hortaliças. Estas áreas verdes, no entanto, cumprem funções
importantes  como a de produzir oxigênio, esfriar o ar por meio da sua transpiração, absorver
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poluentes, servir como barreiras  acústicas  e  satisfazer necessidades estéticas. As cidades
tampouco têm um contingente suficiente de  animais  para consumo humano. Desta forma,
sobrevivem da importação de alimento de outras regiões, muitas delas do outro lado do mundo.
Cidades  também precisam importar uma série de outros recursos para sobreviver. Entre
eles  contam-se água e outras matérias primas. Em troca pelos produtos necessários à sua
sobrevivência,  as cidades fornecem bens manufaturados, serviços, informação, tecnologia e
formas de recreação. Ao mesmo tempo precisam se desfazer dos resíduos e do calor gerados por
estas atividades. A entrada constante e maciça de matéria para o sustento da cidade muitas vezes
supera a sua capacidade de eliminar resíduos,  o  que  traz  como conseqüência o aumento dos
níveis de determinadas substâncias até o ponto em que passam a ser considerados poluentes. O
problema  do  lixo  e  a sua degradação é um dos mais sérios nas grandes cidades. Os resíduos
sólidos  são geralmente depositados em áreas adjacentes aos centros urbanos, em aterros com
diversos  graus  de  segurança para evitar a contaminação do solo e dos lençóis freáticos. O
problema do grande volume de resíduos gerados  tem sido resolvido de forma parcial mediante
programas  de reciclagem de materiais como plástico, vidro, papel, metais, programas de
compostagem, ou uso de material biodegradável. Trata-se, no entanto, de processos industriais
caros e portanto economicamente inviáveis para muitos centros urbanos.


BIODIVERSIDADE  E RELAÇÕES INTERESPECÍFICAS

Qualquer área urbana é formada por uma variedade de hábitats, desde os  semi-naturais
até os  que surgem como conseqüência direta da ocupação humana. A interferência do homem
impõe  um  mosaico de pequenas paisagens adjacentes em uma área relativamente reduzida.
Assim, o espectro de hábitats nos centros urbanos é amplo: de parques municipais e florestas
urbanas até grandes áreas de construção civil, industrial e aterros.
Estas características de mosaico fazem com que a biodiversidade urbana possa ser mais
alta do que as áreas rurais adjacentes. Alguns centros urbanos constituem ilhas de diversidade
por  servirem  como  refúgio  de muitos animais que fogem de regiões devastadas. O complexo
urbano oferece a estas espécies lugares apropriados para a sua sobrevivência, alimento e, não
raramente, um local livre dos seus predadores e competidores naturais. No entanto, para que a
espécie  recém-chegada tenha sucesso como colonizadora é necessário que o ambiente urbano
contenha as condições adequadas para a  sua  sobrevivência, como alimento e locais para
reprodução. Naturalmente a abundância de muitas espécies está correlacionada negativamente
com o grau de urbanização. Plantas, por exemplo, precisam de solos especiais ou de um certo
tipo  de  polinizador  para  produzir  sementes. Em outros casos a espécie pode se desenvolver
somente em estágios avançados de sucessão ecológica, que em geral não ocorrem nas cidades.
Entre as plantas melhor adaptadas às cidades encontram-se aquelas de pequeno porte, resistentes 
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à poluição e pouco exigentes  em  termos  de  nutrientes, como são em geral as compostas e
gramíneas. 
Um exemplo de grupo de vertebrados que se adapta bem às cidades é o das aves, pela sua
grande capacidade de deslocamento e também  pela  plasticidade comportamental. As aves
podem utilizar qualquer fragmento de área com vegetação disponível.  Em  muitos  casos
adaptaram-se ao convívio com o homem de forma estreita, utilizando o alimento que obtêm do
mesmo  e sobrevivendo em construções. Naturalmente, nem toda espécie de ave consegue se
adaptar a áreas densamente povoadas, mas aquelas que conseguem atingem altos níveis
populacionais.  Exemplos  típicos de aves extremamente adaptadas aos ambientes urbanizados
são pardais e pombos, que utilizam até pedaços de arame para construir seus ninhos.
Outros vertebrados altamente dependentes da presença humana são os domesticados. Já
um  bom exemplo de animais dependentes das atividades humanas mas que não foram
introduzidos para domesticação são os ratos.  Estes têm as características de espécies invasoras:
plasticidade comportamental, alta capacidade de dispersão e alta capacidade reprodutiva, que é
ampliada pela ausência de inimigos naturais. As cidades também oferecem maiores chances de
hibridização ao quebrarem  barreiras  geográficas mediante a introdução de espécies de forma
acidental ou para uso do homem. Estas podem entrar em contato com espécies aparentadas, e
resultar em  híbridos.  O caso de híbridos de cão e coiote nos EUA é bem conhecido. Os coiotes
aproximaram-se dos povoados devido à destruição do seu hábitat natural. Entre os invertebrados
típicos de cidades têm lugar destacado as baratas, formigas, barbeiros, cupins, traças, piolhos e
mosquitos. Trata-se de espécies oportunistas ou diretamente vinculadas ao homem, muito bem
adaptadas às cidades e de difícil controle.
Todos os animais citados acima vivem em estreita associação com o homem, o que não
significa que sejam controlados por este. Quando o crescimento populacional de uma espécie
introduzida ou a sua atividade afeta alguma atividade humana, esta passa a ser considerada uma
praga.  A  definição de praga depende de cada ponto de vista. Pragas são organismos
considerados indesejáveis, e esta classificação varia com o tempo, local, circunstâncias e atitude
individual. Plantas que na natureza são parte do ambiente podem ser vistas como ervas daninhas
se danificam propriedades ou tornam-se competidoras de plantas ornamentais,  o  que
freqüentemente ocorre em áreas urbanizadas.
A introdução de espécies de outras regiões biogeográficas é um fenômeno universal, mas
a proporção de espécies introduzidas que se estabelecem com sucesso é maior nas cidades do
que  em  áreas  rurais ou de florestas. Isto torna-se possível por vários motivos: 1) alimento
disponível, 2) refúgio de inimigos  naturais, 3) reintrodução constante feita pelo homem,
intencional ou acidental, 4) hibridização entre espécies exóticas e nativas, 5) exploração de
novos nichos. 
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A taxa de  imigração costuma ser mais alta do que  a  de  extinção pelas constantes
reintroduções, mas uma sucessão ecológica, em que as espécies dentro de uma comunidade vão
sendo substituídas ao longo do tempo, raramente se verifica, pois as perturbações induzidas pelo
homem são grandes e freqüentes. Os processos vinculados à sucessão ecológica estão altamente
comprometidos,  pois  o  homem  age sobre estes continuamente, podendo interrompê-los ou
moldá-los  de  acordo com a sua conveniência. Devido a esta interferência, o  desequilíbrio
ecológico dos ecossistemas urbanos é constante. As perturbações podem ser diretas,  pela
mudança da paisagem mediante construções,  pavimentação,  passagem de veículos, diversos
tipos de controle sobre a vegetação como  plantios, podas, uso de herbicidas, ou uma
conseqüência destas, como deslizamentos  de  terra e inundações, erosão e diversas formas de
poluição.
Um dos principais componentes  estruturadores de comunidades são as interações
biológicas. Com relação às interações entre espécies, a  competição costuma ser  pouco
importante na maioria das áreas urbanas. Isto se deve a que a quantidade de nichos é grande, as
espécies que conseguem se adaptar encontram  recursos suficientes e as cidades passam
constantemente  por  transformações  que são prejudiciais para muitas das espécies, fazendo
regredir  ou  mudar  estas interações dependendo das mudanças efetuadas.  Mutualismos, no
entanto, verificam-se em proporção mais alta do que em muitos ambientes naturais. Na maioria
destes  trata-se  de  uma dependência recíproca entre o homem e outras espécies domesticadas
para seu proveito. Quanto à pressão de predação como força estruturadora da comunidade, esta
não se verifica na sua totalidade pois  a maior  parte da biomassa para alimentar os diversos
componentes  vem  de fora do sistema, mostrando uma alta dependência das áreas rurais,
notadamente outro tipo de sistema antropogênico (gerado pelo homem), que são os
agroecossistemas. A importação de alimento e  a falta de ligação entre as  comunidades  dos
diversos micro-hábitats  fazem  com que seja difícil elaborar  cadeias tróficas abrangentes dos
sistemas urbanos.


O MICROCLIMA URBANO

As estruturas urbanas e a densidade e atividade dos seus ocupantes  criam microclimas
especiais. A pedra, o asfalto e outras superfícies impermeáveis que substituem a vegetação têm
uma alta capacidade de absorver e re-irradiar calor. A chuva é rapidamente escoada antes que a
evaporação  consiga  esfriar  o ar. O calor produzido pelo metabolismo dos habitantes e aquele
gerado pelas indústrias e veículos ajudam a aquecer a massa  de  ar. Estas  atividades  também
liberam na atmosfera vapor, gases e partículas em grandes quantidades. 
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Estes processos geram uma região de calor sobre as cidades onde a temperatura pode ser
até 6o C mais alta do que no ambiente circundante. Este fenômeno é mais marcante no verão em
áreas temperadas, quando os prédios irradiam o calor absorvido.
As cidades recebem menos radiação solar que áreas rurais adjacentes pois parte desta é
refletida  por  uma camada de vapor, dióxido de carbono e matéria particulada. Esta mesma
camada faz com que a  radiação  emitida  pelo  solo seja refletida de volta para a terra. As
partículas no ar agem também como núcleos de condensação de umidade, produzindo um
nevoeiro conhecido como ‘smog’  (do  inglês ‘smoke’ + ‘fog’= fumaça + nevoeiro), a principal
forma de poluição do ar.
Normalmente o acúmulo de poluentes é carregado para o alto através das massas de ar,
que sobre as cidades apresentam um gradiente de temperatura em que o chão é mais quente que
as camadas superiores. No entanto, pode ocorrer que uma massa de ar mais quente que aquela
sobre a cidade se instale imediatamente sobre  esta, interrompendo o fluxo normal de ar  para
acima e impedindo que os poluentes e o calor se dissipem. Este  fenômeno, mais freqüente no
inverno e em cidades localizadas em vales, é conhecido com inversão térmica.
 Grandes cidades geralmente sofrem diariamente as conseqüências do  smog. Aquelas
sujeitas a smog industrial são chamadas de cidades de ar cinza e caracterizadas  por um clima
temperado, com invernos frios  e  úmidos.  As  atividades industriais e de aquecimento das
residências produzem dois tipos principais  de poluentes: partículas e óxidos de enxofre
(impurezas contidas nos combustíveis). Estes óxidos reagem com o vapor atmosférico formando
ácido sulfúrico, que corrói metais e outros materiais, além de ser perigoso para a saúde humana.
As cidades sujeitas a smog fotoquímico (de ar marrom) geralmente têm clima mais quente
e seco, e a maior fonte de poluição é a combustão  incompleta de derivados de petróleo, o que
favorece a formação de dióxido de nitrogênio, um gás amarelado. Na presença de  raios
ultravioletas este gás reage com hidrocarbonetos, formando uma série  de  poluentes  gasosos
conhecidos como oxidantes fotoquímicos. 
A maioria das grandes cidades sofrem de ambos os tipos de  smog.  As emissões de
dióxido de enxofre e de nitrogênio em contato com o vapor do ar convertem-se rapidamente nos
ácidos sulfúrico e nítrico, que podem ser carregados pelos ventos e  precipitar  em  lugares
distantes do onde foram gerados na forma de chuva ácida.
Alguns métodos para controlar a emissão de óxidos de enxofre e de partículas que têm
sido sugeridos são:  economizar  no  consumo  de energia, mudar as fontes de energia de
combustíveis fósseis para energia solar, eólica ou geotérmica, retirar o enxofre do combustível
antes ou depois da combustão e estabelecer impostos “ecológicos” sobre a emissão de
poluentes.
Entre os métodos sugeridos para reduzir a poluição por veículos destacam-se: otimizar o
uso de veículos particulares, melhorar o  transporte coletivo, utilizar motores elétricos e outros
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combustíveis como gás natural,  hidrogênio  e  álcool, aumentar a eficiência do combustível,
controlar a emissão de gases e de formação do smog.

PROBLEMAS ECOLÓGICOS DAS GRANDES ÁREAS URBANAS

Alguns dos aspectos mencionados anteriormente, como a importação de  alimento  e
energia, são comuns a qualquer centro urbano, independentemente do seu tamanho. Outros, no
entanto, acontecem de forma problemática somente nas grandes cidades. Entre estes últimos,
foram mencionados a poluição do ar e o destino dos resíduos sólidos. A construção desordenada
em  áreas  de  risco e as deficiências no  saneamento básico também afetam de modo mais
drástico as grandes cidades. 
Um  aspecto  importante que deriva diretamente da alta densidade populacional é o da
transmissão de doenças. Antes que os humanos  se  tornassem  sedentários com o advento da
agricultura, as condições para a transmissão e persistência de doenças virais e bacterianas eram
pouco adequadas, principalmente devido ao pequeno número de hospedeiros e seu isolamento.
À medida em que os núcleos urbanos foram crescendo, os seus habitantes viraram reservatórios
das doenças e a erradicação destas foi ficando mais complicada.  O comércio e posteriormente
as viagens intercontinentais propiciaram a introdução de doenças contra as quais as populações
não eram imunes. Atualmente, apesar  dos  avanços da medicina, características como
superpopulação, mudanças ambientais e intercâmbio intenso de mercadorias são fatores de risco
que beneficiam o espalhamento de novas doenças ou novas  formas  de  doenças  conhecidas,
principalmente aquelas como a gripe, cujos vírus têm uma alta taxa de mutação.

Da  forma  em  que existem atualmente, os sistemas urbanos são artificiais, imaturos e
ineficientes em termos energéticos. Precisam da importação de grandes volumes de  energia  e
alimento para a sua manutenção, e por isso não se auto-sustentam.  Por outro lado, cidades têm
caracteristicamente uma alta heterogeneidade espacial, o que proporciona uma alta diversidade.
Embora  isto  pareça  um  contra-senso,  casos de maior diversidade em cidades do que no
ambiente natural em que estão inseridas  são comuns. Como exemplo podemos  citar
povoamentos estabelecidos em regiões desertas  ou  áridas, em que água e outros recursos são
importados e concentrados na urbe. A manutenção da biodiversidade urbana é importante não só
para a própria sobrevivência do homem, mas também pelo seu valor intrínseco. Devido à forte
ligação dos organismos urbanos com o homem, é necessário um  envolvimento mais efetivo das
ciências naturais com as sociais  para  integrar os conceitos ecológicos ao processo de
planejamento urbano. Para haver esta integração, são necessárias mais pesquisas sobre quais são
e como se organizam os processos ecológicos que agem nos ecossistemas urbanos.
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BIBLIOGRAFIA

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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Administrando a Fauna Urbana

Administrando a Fauna Urbana

Inventário de arborização da PBH promete planejamento
Por Marina Vieira, Stephanie Zanandrais, 6º período
Stephanie Zanandrais
Foto: Stephanie Zanandrais
É só começar a chover que também chovem reclamações sobre árvores prestes a cair por toda a cidade. Podres, antigas, mal cuidadas. Em processo final de vida, plantada em lugar inapropriado, interferindo na fachada do prédio ou estourando o passeio. Sem contar que várias possuem troncos que atingem alturas elevadas e copas com frutos pesados, o que aumenta o risco de tragédias e prejuízos com uma eventual queda.  Ano passado, no mês de dezembro, somente um temporal foi capaz de derrubar 42 árvores na capital mineira devido à força dos ventos.Na região Centro-Sul, até maio deste ano, foram recolhidos 183 restos de galhos e árvores, e foram plantadas 287 mudas. Com isso, o que fazer para que a cidade arborizada, conhecida pelos grandes corredores verdes, vistos do céu, seja beneficiada em cada plantio e poda de árvores? E como viabilizar sem espantar os animais que completam a paisagem da vida ecológica num centro urbano? A arquiteta Marieta Cardoso, que trabalha com paisagismo urbano, parte estética da arborização, destaca: “devem ser observados fatores como porte, espécie, estrutura fisiológica. Mas existe também a necessidade de um monitoramento e de ações preventivas, já que a população pode ignorar que existe uma espécie para cada espaço”. Segundo o biólogo da Fundação Zoobotânica, Gladstone Corrêa, há um ponto positivo em preservar o verde em BH, pois a ‘’fauna urbana’’ tem sido colonizada por várias espécies de animais e umas das condições para que isso aconteça são os corredores ecológicos que existem entre as áreas verdes da cidade: “em plena Getúlio Vargas ou na Avenida Amazonas você vai encontrar aves que habitam em florestas como a Alma de gato, além de famílias de esquilos e micos que habitam as cidades graças a essa arborização.

 Recentemente, a Prefeitura de BH assinou um convênio com a Cemig, de R$ 3 milhões, para a construção de um inventário de arborização. O projeto será um banco de dados no qual a Prefeitura terá o conhecimento das mais de 235 mil árvores existentes na cidade e catalogará cada uma, além das mudas a serem plantadas, estudando cerca de 40 quesitos, desde a copa até a raiz. Segundo a Prefeitura, o espaço em torno da árvore também será estudado para que haja planejamento da calçada, da via e da rede elétrica.

Para Gladstone Corrêa, o projeto é minucioso e, por isso, requer tempo e investimento, uma vez que as mudas a serem plantadas, a partir de então, serão jovens com alturas entre dois e três metros, “as sementes estão sendo cultivadas e as mudas que serão utilizadas na substituição também”.  Para Marieta Cardoso, a maior dificuldade de replanejar a arborização da cidade é o que fazer com as árvores inadequadas. “Acho que durante esse processo muitas árvores irregulares podem ser encontradas. Isso é um problema, já que dependendo do porte e espécie é complicado replanta-la em outro lugar”, diz. A arquiteta observa que as árvores também podem ter função de identificar as vias públicas, “o ideal seria um tipo de árvore para cada espaço urbano, palmeiras nas avenidas, outro tipo de planta nas calçadas, levanto em conta, claro, os aspectos ambientais”.

 Para auxiliar o projeto da prefeitura foi criado um banco de sementes no qual espécies raras e mais adequadas à paisagem urbana estão sendo estocadas para atender a grande demanda de mudas que vão para as ruas e praças da cidade.

A Secretaria do Meio Ambiente informou que o projeto está em fase de planejamento, estruturação do termo de referência e contratação da empresa que fará o software (banco de dados). Mas, a previsão é que dentro de 18 meses, mesmo que não esteja finalizado, o inventário já possa ser usado pelos técnicos, de cada regional, que serão responsáveis por atualizar o software a cada mudança ocorrida na árvore catalogada. 
 INFOGRÁFICO 1                                                              Funções da Arborização 
- Melhorar a qualidade do ar através da Fotossíntese. 
- Absorver ruídos (barreiras acústicas).
 - Amenizar a temperatura (proteção térmica).
 - Funcionar como anti-poluente através das folhas. 
- Exercer função paisagística. 
- Fornecer abrigo e alimentação aos animais capazes de se adaptarem ao meio urbano.
 - Agir sobre o bem-estar físico e psíquico do homem.  
 INFOGRÁFICO 2 
De acordo com o CONSELHO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE (COMAM) alguns aspectos devem ser observados no plantio de árvores: 
- As espécies com raízes superficiais devem ser plantadas em locais amplos, tais como, parques, praças e canteiros centrais com pelo menos 2,00m de largura. 
- Deve-se evitar o plantio de espécies com espinhos ou acúleos, ou com tronco de pouca resistência e volumosos.
 - O formato e a dimensão da copa devem estar de acordo com o local do plantio. A dimensão deve ser compatível com o espaço físico, permitido o livre trânsito de veículos e pedestres, evitando também danos às fachadas, e conflitos com a sinalização, iluminação e placas indicativas.
 - Deve-se dar preferência às espécies de folhagem permanente. Quando selecionadas asespécies caducifólias, é importante verificar o tamanho e a textura das folhas para evitar o entupimento de calhas e bueiros. É necessário, também, evitar espécies de folhagens que criam sombreamento excessivo, em locais de pouca incidência de luz solar. 
- Deve-se evitar a utilização de espécies que produzam frutos grandes e carnosos em arborização de vias públicas, evitando assim, acidentes com pedestres e veículos. - É necessária a utilização de espécies resistentes ao ataque de pragas e doenças, tendo em vista, que não é adequado o uso de fungicidas e inseticidas em meio urbano, pois podem comprometer a saúde da população. 


Fonte: http://jornalimpressao.com.br

Os Senhores da Noite

Os Senhores da Noite

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Injustamente mal-amados Os morcegos, únicos mamíferos verdadeiramente voadores, são quase desconhecidos do cidadão comum. No Ano Internacional do Morcego,
o biólogo Jorge Nunes penetra no mundo destes animais noturnos e mostra como é infundada a antipatia que nutrimos por eles.
Ao cair da noite, as aves começaram a abandonar os céus. No seu lugar, surgiram esquivas sombras fantasmagóricas, que andavam atrás dos insetos, atraídos pela intensa luminosidade dos lampiões. Os transeuntes, que se passea­vam vagarosamente pelas ruas aproveitando a brisa fresca do crepúsculo, nem davam pela sua presença. Porém, num dos recantos do Jardim da Cordoaria, aos pés da Torre dos Clérigos, encontrava-se um invulgar ajuntamento de pessoas com os olhos postos no céu. Enquanto os turistas empanturravam os cartões de memória das máquinas fotográficas com a beleza do monumento (ex-libris da cidade invicta), que sobressaía do casario banhado pela luz dourada e mágica do entardecer, os jovens e adultos daquele estranho grupo prestavam mais atenção às criaturas voadoras.
Do amontoado de pessoas, destacava-se uma enérgica figura feminina, com estatura mediana, cabelo grisalho e olhos sorridentes que brilhavam como faróis. Falava com entusiasmo sobre os extraordinários quirópteros (grupo taxonómico no qual se incluem os morcegos, do grego kheir, “mão”, e pteron, “asa”) que as sobrevoavam. Enlevada pela atenção que todos pareciam dar ao tema, ia desfiando curiosidades, umas atrás das outras: desde o modo peculiar como localizam as presas até à forma como hibernam, dão à luz e amamentam as crias, nuas e cegas, em abrigos subterrâneos. Os mitos e medos infundados não foram esquecidos, bem como a enorme importância ecológica e os perigos e ameaças a que têm estado sujeitos. Os olhos curiosos da assistência bailavam entre o discurso e a linguagem corporal contagiante da oradora e os voos rasantes dos morcegos que iam desaparecendo levados pelo breu da noite.
Luzia Sousa, do Museu de História Natural da Faculdade de Ciências do Porto, sabia bem do que falava. Afinal, há muito que se tornou embaixadora dos morcegos. Através de incontáveis ações de esclarecimento e educação ambiental, não se tem poupado a esforços para os dar a conhecer aos cidadãos e, em particular, ao público escolar. Está plenamente convicta de que a sua conservação terá de passar pela consciencialização das pessoas: “Como conseguiremos defender aquilo que não conhecemos?”, interroga-se. “De modo algum nos poderemos dar ao luxo de proteger apenas as espécies ‘queridas’, apenas as que nos cativam com o seu aspeto ‘fofinho’ ”, conclui. Pela forma entusiasmada como todos reagiram àquelas palavras, percebeu-se que tinha atingido os seus objetivos; acabava de cativar mais umas quantas almas para a sua causa nobre: divulgar e proteger os morcegos.
O exemplo de Luzia Sousa, felizmente, não é caso único em Portugal. Se tivéssemos percorrido os cerca de seiscentos quilómetros que separam o Douro Litoral do Algarve, teríamos vivido, alguns dias mais tarde, uma experiência muito similar junto às muralhas de Lagos. António Valadares, coordenador do Centro Ciência Viva local, conta como foram entusiasmantes as noites dos morcegos por terras algarvias. Mesmo quando não foi possível observá-los, um conversor de ultrassons em sons audíveis permitiu ouvi-los e até distinguir as espécies. O mais interessante, salienta, “é mostrar às pessoas [aproximadamente 35 em cada sessão] que os morcegos são bichos muito úteis e que coexistem connosco, mesmo no interior das grandes cidades”.
Ao passar os olhos pela edição 2011 do projeto Ciência Viva no Verão (http://www.cienciaviva.pt), descobrimos que se realizaram muitas outras iniciativas (32 em todo o país) relacionadas com a observação, a audição e a divulgação dos quirópteros portugueses. Em Lisboa, estiveram a cargo da Liga para a Proteção da Natureza e do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos; em Santarém, decorreram no Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros; em Tomar, foram promovidas pela Quercus; no Porto, tiveram o acolhimento do FAPAS – Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens; em Bragança, foram dinamizadas pelo Centro Ciência Viva. Contudo, mesmo fora das atividades de verão promovidas pela Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, muitas outras ações poderiam aqui ser referenciadas. Falar de morcegos parece estar na moda.
O Ano do Morcego
O crescente interesse pelos morcegos a que temos vindo a assistir nos últimos anos poderá encontrar justificação, segundo o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), no facto de estes animais terem sido, “até recentemente, quase completamente ignorados pelas instituições de todo o Mundo”, sobretudo, devido aos poucos conhecimentos disponíveis sobre a sua biologia e ecologia, a que se juntou uma má imagem pública. No entanto “a óbvia regressão das populações de muitas espécies e a consciencialização de que muitas delas estão entre os animais mais ameaçados” levaram a que, nos últimos anos, “os morcegos começassem a ocupar lugares de destaque nas prioridades de intervenção de muitas instituições de conservação”.
Depois de 2001 ter sido estabelecido como o Ano Internacional dos Morcegos, com o objetivo de contribuir para o reconhecimento da importância destes animais por parte da população mundial, de forma a contrariar a sua tendência de extinção, dez anos volvidos, comemora-se, em 2011/2012, o Ano do Morcego (http://www.wix.com/anodomorcego/icnb). Trata-se de uma campanha lançada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pelo Acordo para a Conservação das Populações Europeias de Morcegos (Eurobats) e visa, mais uma vez, divulgar a importância dos morcegos e da sua conservação.
O Eurobats chegou a Portugal em 1995, através de um decreto-lei realizado à luz da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migradoras Pertencentes à Fauna Selvagem (Convenção de Bona). As principais linhas de ação, que têm vindo a ser tomadas pelo ICNB, em colaboração com a Faculdade de Ciências de Lisboa, passam pela proibição da captura deliberada, do aprisionamento e da morte de morcegos, pela identificação dos locais importantes para o estatuto de conservação destes animais, pela conservação dos seus principais habitats, pelo desenvolvimento de programas de investigação e pela tomada de medidas para promover a proteção das espécies e consciencializar o público.

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O dom de voar Definitivamente, os morcegos não nasceram para se deslocar em terra, onde são bastante desajeitados e lentos. Entre o grupo dos mamíferos, apenas eles conseguiram adaptar-se com êxito ao meio aéreo. Uma proeza que, segundo os restos fossilizados mais antigos do mundo descobertos até agora, terá começado no Eoceno Superior, há cerca de 52 milhões de anos. Os cientistas que os estudaram concluíram que as asas bem desenvolvidas dessa espécie primitiva (Onychonycteris finneyi) são uma forte evidência da sua apetência para o voo.
A origem filogenética e geográfica dos morcegos permanece, no entanto, desconhecida. Não faltam hipóteses, mas são poucas as certezas. Embora se diga muitas vezes que os morcegos são “ratos com asas”, as evidências fósseis parecem afastar a hipótese de que tenham evoluído a partir dos roedores. Os estudos mais recentes apontam para que o seu ancestral evolutivo tenha sido um mamífero insetívoro, de pequeno porte e hábitos noturnos, parecido com os musaranhos e as toupeiras atuais.
Qualquer que tenha sido a verdadeira origem destes bichos, uma coisa é certa: nasceram para voar. Os seus membros anteriores (que correspondem a mãos e braços modificados), transformados em asas, são a caraterística mais visível da locomoção no ar. Os especialistas alertam, contudo, que essas asas são muito diferentes das dos insetos (que terão começado a voar há 300 milhões de anos), dos extintos répteis voadores (os pterossauros que dominaram os céus há 200 M.a.) ou até mesmo das aves (que só se tornaram voa­doras há 150 M.a.). Constata-se, assim, que o voo de todos estes distintos animais terá surgido por evolução convergente, isto é, através de estruturas anatómicas diferentes que acabaram por possibilitar a mesma função. Curiosamente, embora tenham funções diferentes, as asas dos morcegos e os braços humanos são estruturas homólogas, isto porque têm a mesma origem embriológica e ambas possuem os mesmos ossos (úmero, rádio, cúbito, carpo, metacarpo e falanges), denotando assim uma ancestralidade comum.
As asas dos morcegos, que lhes dão sustentação no ar, são rígidas, leves e impermeáveis, e correspondem a uma expansão cutânea, conhecida como “membrana alar” ou “patágio” (camada dupla de pele, desprovida de pelagem protetora, na qual existem fibras elásticas e musculares e vasos sanguíneos). Esta é suportada pelos quatro dedos longos da mão (o primeiro dedo corresponde a um polegar curto que se distingue dos restantes por possuir uma garra), que funcionam como as varetas de um guarda-chuva, estendendo-se até às patas traseiras e à coluna vertebral. Localizada entre os membros posteriores (prendendo geralmente a cauda), e funcionando como leme durante o voo, existe ainda a membrana caudal ou uropatágio. Outras caraterísticas que os tornam ligeiros e aerodinâmicos são o esterno com quilha, à semelhança das aves, os músculos peitorais fortes inseridos no esterno e nos braços e os ossos compactos e leves.
Ainda que tenham facilidade em se locomover no ar, a maioria dos morcegos faz apenas curtas deslocações noturnas para procurar alimento (todas as espécies europeias são insetívoras). Há noites, no entanto, em que chegam a percorrer áreas com pelo menos 15 quilómetros de raio, desde os abrigos até aos territórios de caça. Porém, as grandes viagens acontecem normalmente durante as migrações, quando se mudam dos abrigos de criação para os de hibernação e vice-versa. Através de anilhagem, foi possível descobrir que algumas espécies são viajantes de longo curso: o morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii) pode percorrer cerca de 400 quilómetros e o morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula) chega a atingir os 960 km, sendo o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) o recordista absoluto: um exemplar anilhado na Rússia apareceu são e salvo na Bulgária, depois de percorrer 1150 km.
Ver com os ouvidos
A aptidão única de locomoção no ar ofereceu aos morcegos um admirável mundo novo, onde a competição com os outros mamíferos (todos terrestres ou aquáticos) era inexistente. Os seus hábitos noturnos, porém, levantaram problemas de orientação. Embora tenham olhos e possuam uma visão bem desenvolvida (com uma retina repleta de bastonetes, células sensíveis à baixa intensidade luminosa, que torna descabida a expressão popular “cego como um morcego”), isso de pouco lhes vale na escuridão da noite e dos abrigos subterrâneos onde muitas vezes se escondem.
O fenómeno batizado com o nome de “ecolocação” foi a solução encontrada por estes mamíferos, milhões de anos antes de o homem ter imaginado o sonar e o radar, para superar as limitações visuais no ambiente noturno. Através de adaptações morfológicas e sensoriais, que foram sendo positivamente valorizadas pela seleção natural, os morcegos desenvolveram um apurado sistema de ecolocalização (utilizado também por outros organismos, como os cetáceos e algumas aves). Este consiste na emissão de sons de alta frequência – na gama dos ultrassons (com frequência superior a 20 kHz), portanto não audíveis pelo ser humano – e na análise dos ecos recebidos do meio pelos seus ouvidos altamente sensíveis. A receção dos ultrassons faz-se através de pequenos pêlos no interior dos ouvidos, cujo desempenho é determinado por uma proteína, a prestina, codificada por um gene com o mesmo nome. Curiosamente, segundo estudos publicados há pouco, a evolução da capacidade de ecolocação nos golfinhos e morcegos parece ter seguido caminhos evolutivos paralelos, através das mesmas mutações sobre o gene da prestina.
Quando se propagam no espaço, os sons são intercetados e refletidos (na forma de eco) por todos os obstáculos (vegetação, rochedos e construções) da área envolvente e pelas potenciais presas (insetos), sendo por isso recebidos de volta com caraterísticas um pouco diferentes do ultrassom emitido. É com base nestas pequenas diferenças que os morcegos conseguem perceber – através de especializações nos centros auditivos do cérebro, que lhes permitem uma correta interpretação dos dados provenientes do biossonar – a forma e a distância a que estão dos objetos e se estes estão parados ou em movimento. Deste modo, orientam-se e detetam as presas na escuridão mediante a receção e análise do eco dos ultrassons que eles próprios emitem. Esta capacidade de criar “imagens auditivas” é uma espécie de “sexto sentido”. Pode dizer-se que os morcegos veem com os ouvidos!
As vocalizações dos quirópteros (que em determinadas circunstâncias podem ser audíveis aos ouvidos humanos), contudo, não servem apenas para orientação espacial e captura de presas: também são usadas para a comunicação e a socialização intraespecífica (que inclui sinais acústicos, olfativos e táteis). Além disso, como as propriedades físicas (frequência, duração e intervalo, etc.) dos ultrassons emitidos variam conforme as espécies, é possível usá-los para identificá-las. Esta é, aliás, a técnica mais utilizada para identificar e estudar estes discretos animais, que raramente são vistos, mas podem ser escutados com alguma facilidade, desde que se possua equipamento adequado.

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Viver de pernas para o ar O voo dos morcegos é uma atividade exclusivamente noturna ou crepuscular. Quando surge a luz, regressam a casa, para se ocultarem dos inúmeros predadores diurnos que facilmente os capturariam. Como não cons­troem os seus próprios ninhos ou refúgios, recorrem a abrigos naturais ou edificados pelo homem: fendas estreitas em rochedos, muros e pontes, telhados de igrejas e casas, habitações devolutas, cavidades nos troncos de árvores e, principalmente, grutas ou minas abandonadas (metade dos morcegos portugueses são espécies cavernícolas).
Quando pousam, fixam-se às superfícies através das garras que possuem nos membros posteriores, mantendo uma posição bastante incomum, de cabeça para baixo. Curiosamente, a adoção da suspensão e da posição invertida não implica qualquer esforço muscular, graças a um mecanismo automático de encurvamento das garras.
Os investigadores aventam duas explicações para tão estranha forma de repouso: por um lado, ficam fora do alcance de possíveis predadores, que dificilmente se conseguirão deslocar em superfícies suspensas; por outro, sobretudo no caso dos morcegos que habitam em cavernas, economizam uma enorme quantidade de espaço, podendo reunir grande número de indivíduos em sítios exíguos.
Quando o frio aperta e os insetos escasseiam, o que costuma acontecer a partir do final do outono, os morcegos são obrigados a hibernar. Entram assim numa letargia forçada, permanecendo imóveis (com as asas a cobrir o corpo como casacos naturais), reduzindo ao mínimo o seu metabolismo e os gastos energéticos e consumindo lentamente as reservas de gordura acumuladas durante os meses quentes. Se a hibernação for frequentemente interrompida (por exemplo, pelas atividades humanas), as reservas energéticas serão mais rapidamente consumidas, podendo não ser suficientes para assegurar a sobrevivência até à primavera seguinte. Quando isto acontece, os animais morrem.
Fecundação retardada
Além dos abrigos de hibernação (geralmente, grutas e minas), que são por norma usados por um elevado número de indivíduos em letargia, os morcegos possuem ainda abrigos de criação, que são ocupados sobretudo por colónias de fêmeas reprodutoras ativas, durante a fase final de gravidez, o nascimento e o desenvolvimento dos jovens, e abrigos intermédios de primavera e outono, correspondentes aos refúgios procurados entre as épocas de criação e de hibernação. Regra geral, verificam-se migrações sazonais (muito comuns nas espécies cavernícolas portuguesas) entre os diversos abrigos, que podem distar apenas algumas centenas de metros ou dezenas de quilómetros.
Durante a época de reprodução, algumas grutas chegam a acolher colónias com milhares de indivíduos de diferentes espécies. Ainda que cada uma delas possua distintas estratégias reprodutivas, todas partilham um fenómeno surpreendente (exclusivo dos morcegos insetívoros), denominado “fecundação retardada”. Explica-se da seguinte forma: no acasalamento, que ocorre predominantemente no outono, as fêmeas recolhem o esperma; no entanto, não o utilizam de imediato, mas armazenam-no no útero durante todo o período letárgico; apenas na primavera seguinte, quando o clima aquece e volta a existir abundância de alimento, é que o utilizarão para fertilizar os seus óvulos. Este mecanismo fisiológico de armazenamento de espermatozóides tem despertado enorme interesse na comunidade científica, especialmente nos investigadores relacionados com a reprodução medicamente assistida e com o transplante de órgãos.
Cerca de 40 a 60 dias após a fecundação (geralmente, em fins de maio ou princípios de junho), ocorre o parto. A fêmea prende-se ao teto da gruta, com as garras dos seus quatro membros, e recolhe a cria com o uropatágio. Esta vem ao mundo nua e cega, e somente após alguns dias começará a crescer-lhe uma pelagem macia e acinzentada e os olhos se abrirão. Como acontece com todos os mamíferos, será zelosamente amamentada durante os primeiros tempos de vida, acabando por adquirir o aspeto adulto em poucos meses. A maturidade sexual, porém, apenas será atingida ao fim de dois anos (quatro anos em algumas espécies, como o morcego-de-ferradura-grande, Rhinolophus ferrumequinum). Este facto é muito importante, porque contribui para uma baixa capacidade de regeneração das populações, uma vez que muitos indiví­duos acabam por morrer sem terem sequer começado a reproduzir-se. Além disso, como ao longo da sua evolução a maioria das espécies foi submetida a uma reduzidíssima pressão predatória, possuem também uma baixa taxa de reprodução (uma única cria por ano).
A maturação sexual tardia e a taxa de reprodução baixa parecem, todavia, ser compensadas com uma grande longevidade. Algumas espécies, como o morcego-de-ferradura-grande, podem alcançar os trinta anos de idade, embora a esperança média de vida ronde os vinte anos (mesmo assim, muito superior aos doze meses dos roedores de igual tamanho). Logo, em proporção ao seu tamanho (comprimento corporal entre 3,5 e 10 cm), os morcegos são, sem sombra de dúvida, os mamíferos com maior longevidade.

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Animais malditos Poucos animais têm sido encarados com tanto ódio (exceção feita talvez ao lobo, aos répteis e às aranhas) como os morcegos. No entanto, esta animosidade secular parece ter causas muito variadas, assentes, principalmente, na sua aparência e nos seus hábitos de vida. Desde logo, o seu aspeto: são “feios”, segundo as noções estéticas da maioria dos humanos. Além disso, são “estranhos”: gostam da noite, dormem de pernas para o ar e habitam em locais escuros e recônditos; são “perigosos”, pois agarram-se aos cabelos e transmitem doenças; são “criaturas do demónio”, porquanto existe um pacto entre estes animais e Satanás (amiúde, representa-se o diabo com asas de morcego, enquanto os anjos ostentam asas de aves), sendo por isso mesmo prenúncios de morte e azar; são “vampiros sanguinários” que chupam o sangue às pessoas enquanto dormem (relembra-se que toda as espécies europeias são insetívoras!); têm “poderes mágicos”, pelo que foram historicamente usados na confeção de poções de amor, de bebidas que possibilitavam a obtenção de várias aptidões ditas “paranormais” ou até mesmo para a cura de tumores, artrites e doenças de visão, entre outras. Enfim, um rol de inverdades, mitos e crenças infundadas (ampliadas pela literatura e pelo cinema de ficção: quem não se lembra do Drácula?), que em muito contribuiu para denegrir a sua imagem junto do público e para o seu desprezo, durante décadas, em termos de conservação.
Ainda há quem acrescente que, além de serem “feios, porcos e maus”, os morcegos “não servem para nada”. Porém, de modo algum poderemos subestimar a sua importância ecológica e o inestimável serviço que nos prestam. Além de inofensivos, eles são na verdade inseticidas naturais muito eficazes, pois contribuem para o controlo dos insetos responsáveis por pragas agrícolas ou pela transmissão de doenças e para o equilíbrio dos ecossistemas. Cada morcego consome, por noite, mais de metade do seu peso em insetos. Feitas as contas, se considerarmos todas as espécies, estamos a falar de uma significativa importância económica, devido às dezenas de toneladas de insetos prejudiciais exterminados diariamente.
Os morcegos são também essenciais para a subsistência dos ecossistemas cavernícolas, onde se encontram comunidades de invertebrados singulares que apenas habitam nas grutas naturais. Estes organismos, ainda insuficientemente conhecidos, parecem estar totalmente dependentes da matéria orgânica (excrementos depositados no chão das cavernas) transportada pelos seus vizinhos alados.
No entanto, e para que conste, nem todas as civilizações abominam os morcegos. Na China e no Japão, por exemplo, eles são vistos com outros olhos, e por isso considerados como símbolos de sorte e de longa vida, surgindo frequentemente a ornamentar objetos. Mais perto de nós, na cidade espanhola de Valência, o morcego também serve de mascote, surgindo a sobrevoar a coroa real do brasão de armas. Contudo, estas são situações excecionais que parecem apenas ajudar a confirmar a regra: os morcegos têm sido, desde tempos imemoriais, animais excomungados.
Preciosidades a presevrar
Conhecem-se cerca de 1200 espécies de morcegos em todo o mundo. Destas, vivem 40 na Europa, das quais 27 ocorrem em território português, constituindo quase 40 por cento da fauna de mamíferos terrestres do país. Enquanto determinadas espécies se conseguiram adaptar bem à progressiva humanização da paisagem, outras (infelizmente, a maioria) têm vindo a regredir, estando mesmo à beira da extinção. No território continental, as mais ameaçadas são o morcego-rato-pequeno (Myotis blythii), o morcego-de-ferradura-mourisco (Rhinolophus mehelyi) e o morcego-de-ferradura-mediterrânico (Rhinolophus euryale).
Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, apenas seis espécies são consideradas com estatuto de “pouco preocupante”; das restantes, muitas têm estatuto de “criticamente em perigo” ou “em perigo”, ou são consideradas “vulneráveis”. Registe-se que para nove espécies a informação disponível ainda é insuficiente para se poder avaliar as suas tendências populacionais. No entanto, independentemente do seu estatuto de amea­ça, todas as espécies estão protegidas por legislação nacional (desde 1967, por um decreto que reconhece a necessidade de proteger os morcegos) e internacional (Diretiva Habitats, Convenção de Berna e Convenção de Bona, de que resultou o Eurobats).
Mais de metade dos morcegos portugueses são cavernícolas, sendo também, curiosamente, os mais ameaçados. De acordo com o ICNB, esta situação resulta da reduzida capacidade de recuperação (conferida pela tardia maturidade sexual e pela baixa taxa de reprodução) e do seu caráter colonial, sobretudo durante as épocas de criação e hibernação, quando as colónias chegam a atingir milhares de indiví­duos concentrados numa única gruta. Assim, não é de estranhar que a destruição e perturbação dos abrigos, afetando de uma só vez inúmeros indivíduos, sejam as principais amea­ças para estas espécies que escolheram viver em cavernas.
A lista de fatores que afetam os morcegos é, porém, muito mais vasta: inclui igualmente a destruição e fragmentação das áreas de alimentação, sobretudo das florestas de folhosas autóctones, das galerias ripícolas e da vegetação nos habitats ribeirinhos, com consequente diminuição do alimento disponível; a poluição, nomeadamente por pesticidas e fertilizantes utilizados na agricultura, que afeta a qualidade do solo e da água (diminuindo a ocorrência dos insetos aquáticos, por exemplo) e envenena juvenis e adultos devido à bioacumulação; os incêndios e a desflorestação, que afetam principalmente as espécies arborícolas; e a pressão antropogénica, resultante de atividades turísticas, como a espeleologia, da exploração eólica (segundo vários estudos, esta pode acarretar uma considerável perturbação ou destruição dos abrigos, perturbação ou perda de áreas de alimentação ou de corredores de migração e alguma mortalidade, por colisão dos morcegos com os aerogeradores) e dos atropelamentos (dado que muitas espécies voam muito próximo do solo), entre outros.
Alguns autores têm vindo a salientar que os quirópteros são excelentes indicadores da qualidade da natureza, devido à sua longevidade, pequeno tamanho, mobilidade e exigências ambientais.
Apesar do aumento do conhecimento sobre os morcegos e do muito que já se fez em Portugal, ainda há um longo caminho a percorrer até que se consigam criar planos efetivos para a conservação de todas as espécies ameaçadas. Uma das prioridades continuará a ser a mudança da sua imagem pública: pelas suas singularidades biológicas e pelo inestimável serviço prestado ao equilíbrio dos ecossistemas e à humanidade, os senhores da noite merecem todo o nosso respeito.
J.N.

Morcegos em casa
Sabia que os morcegos podem entrar-nos pela casa adentro? Se tal acontecer, o guia Tenho Morcegos em Casa, o que Devo Fazer?, disponibilizado pelo ICNB, deixa algumas informações e conselhos.
Os morcegos não são agressivos e não atacam, mas, sendo animais selvagens, podem assustar-se e reagir se tentarmos capturá-los (deve evitar-se pegar-lhes, devido ao perigo de se ser mordido; se for mesmo necessário tocar-lhes, use sempre luvas).
Na maioria das vezes, os morcegos entram nas casas por engano, pelo que devemos facilitar a sua saída: se for de noite, deve isolar-se a divisão, abrir as janelas e desligar a luz, deixando-o sair sozinho; se for de dia, deve ser capturado com uma caixa de cartão e libertado durante a noite (desde que não esteja a chover ou faça muito frio ou vento), num sítio calmo e sem luz.
Se o animal estiver ferido ou não voar, deve contactar-se a área protegida mais próxima, para que seja recolhido pelos técnicos.
Todavia, algumas espécies podem visitar-nos de forma mais prolongada, hospedando-se nas nossas casas, geralmente em pequenas fendas (basta um espaço de 2 por 1,5 centímetros para um morcego-anão, e de 5 por 2,5 cm para as outras espécies), caixas de estore, aberturas debaixo das varandas, sótãos e caves. A confirmação da presença de morcegos num edifício pode ser feita por observação direta (difícil durante o dia, sobretudo no caso de espécies que se abrigam em fendas), pela escuta dos seus guinchos (particularmente audíveis nos meses quentes e no caso de colónias numerosas) ou pela presença de guano (os excrementos dos morcegos distinguem-se dos de outros animais por ficarem reduzidos a pó se forem esmagados, uma vez que são constituídos quase exclusivamente pela quitina dos insetos). O guano que venha a ser recolhido pode ser utilizado como fertilizante, e é considerado um excelente adubo.
De acordo com os especialistas, não há problemas em coabitar com morcegos, desde que se tenham dois cuidados: não tocar no guano e na urina (não sendo comum a propagação de doenças através de excrementos, os contatos acidentais com a boca podem causar infeções gastrointestinais) e não mexer nos animais. Segundo o ICNB, “apesar de algumas espécies de morcegos poderem transmitir raiva por mordedura, arranhadela ou contacto com olhos, nariz ou boca, são muito raros os casos de transmissão dessa doença aos seres humanos”. Porém, no caso de alguém ser mordido ou arranhado por um morcego, a ferida deve ser imediatamente lavada com água e sabão e deve-se contactar um médico; se possível, o animal deve ser capturado vivo e mantido numa caixa de cartão, para ser analisado.
Quando as colónias são numerosas e provocam estragos elevados ou constituem perigo para a saúde pública, poderá ser necessário afastá-las dos edifícios. “Tendo em conta que todas as espécies de morcegos estão protegidas por lei, quaisquer ações de exclusão têm de ser autorizadas”, adverte o ICNB, que é a entidade a quem cabe autorizar tais operações de despejo (talvez não seja demais recordar que o abate ou a captura ilegal de morcegos são práticas proibidas). Quaisquer trabalhos de exclusão, devidamente autorizados, só devem ser feitos fora das épocas de criação e de hibernação, podendo ocorrer de 15 de março a 30 de abril, ou entre 20 de agosto e 30 de novembro.
Algumas pessoas, mais sensibilizadas para a importância ecológica dos morcegos, gostam de tê-los por perto. Uma estratégia para os atrair (ou para aumentar a probabilidade de determinados edifícios não serem de novo invadidos), passa pela colocação de abrigos artificiais nas paredes exteriores, nos rebordos dos telhados ou nas imediações das casas. O ICNB informa que “este tipo de abrigo já foi colocado nalgumas zonas do país, tendo algumas caixas atraído com sucesso centenas de indivíduos (foram já contabilizados 238 morcegos numa caixa-abrigo colocada no Algarve)”.
A sã convivência entre humanos e morcegos não só é possível como desejável. Um notável exemplo é o facto de centenas de morcegos vigiarem, desde que há memória, duas das mais antigas bibliotecas de Portugal: a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra e a do Palácio de Mafra. Voando livremente nesses espaços bibliotecários, capturam os insetos e asseguram, com a sua inestimável presença, a preservação de documentos centenários e livros valiosos, que permanecem em ótimo estado de conservação. Em contrapartida, as mesas de leitura têm de ser cobertas durante a noite, para evitar que o guano se deposite sobre elas; pela manhã, recolhem-se as coberturas e varre-se o solo.
Se tiver a sorte de a sua casa ou o seu jardim serem escolhidos pelos morcegos, agradeça a honra e (chiu!) faça pouco barulho no inverno, para não os acordar. Verá como lhe retribuirão a boa vizinhança durante o verão, quando cada um deles devorar mais de 500 insetos por dia. Nenhum outro inseticida será tão eficaz e saudável como os seus amigos voadores.

SUPER 163 - Novembro 2011

A Selva Urbana


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As cidades são o lar de inúmeros animais bravios Se pedir a alguém que diga nomes de bichos citadinos, ouvirá decerto falar em cães, gatos, pombos, gaivotas e pardais. Porém, apesar de as urbes serem ambientes artificiais criados pelo homem, são inúmeros os animais selvagens que também se tornaram “urbanos”. O biólogo Jorge Nunes mostra-nos alguns dos que podemos observar nas principais cidades portuguesas. Fique de olho nos seus vizinhos bravios.
Lembro-me bem da primeira vez que visitei a capital britânica, já lá vão muitos anos, e do dia deslumbrante que passei a descobrir os recantos encantados do Museu de História Natural. Mas, curiosamente, o que recordo com maior emoção da semana passada em Inglaterra foram os passeios a pé pelos jardins e parques públicos de Londres e Oxford.
Sempre soube que havia cães, gatos e pombos nas cidades (por vezes, de tão comuns, já nem reparamos neles), mas as caminhadas pelos magníficos jardins ingleses permitiram-me descobrir, para meu grande espanto, que também aí podiam encontrar-se animais selvagens. E, evidentemente, não me refiro aos que estão confinados aos jardins zoológicos!
Foi no coração da metrópole mais populosa da União Europeia (quem diria?), com quase tantos habitantes como a nação portuguesa, que observei pela primeira vez, e sem necessidade de binóculos, corvos, gralhas, gansos selvagens, patos bravos de diferentes espécies, esquilos e chapins que vinham comer às mãos dos transeuntes, e até veados e gamos que se passeavam livremente pelos relvados, bosques e jardins. Também me falaram das raposas, que existiam (e ainda existem) aos milhares nos jardins londrinos, mas os seus hábitos nocturnos impediram-me de as lobrigar, tendo acabado por conhecê-las anos mais tarde através de um documentário da BBC.
O curioso dessas minhas deambulações urbanas é que pude observar mais bichos silvestres nos jardins públicos britânicos do que em dezenas de saídas de campo que havia feito a algumas das principais áreas protegidas portuguesas.
Após outras viagens (reais e virtuais, através de filmes e documentários) por diversos países dos cinco continentes, acabei por perceber que a experiência vivida em Londres, afinal, poderia ter acontecido em qualquer outra cidade do mundo. Em todas elas se assiste à convivência (nem sempre salutar, diga-se), entre homens e bichos bravos.
A capital portuguesa não é excepção. Também ela acolhe animais selvagens que coabitam connosco sem que, muitas vezes, nos apercebamos da sua presença. É claro que não podemos encontrar os veados e gamos de Oxford, as raposas e os esquilos de Londres, os texugos de Copenhaga, os javalis de Berlim, os lobos de Brasov (Roménia), os falcões-peregrinos de Nova Iorque, os urubus-pretos de São Paulo, os macacos Hanuman do Rajastão (Índia) ou os ursos polares de Churchill (Canadá), mas Lisboa é igualmente uma urbe selvagem, bem como todas as outras cidades e vilas portuguesas.
Cidades selvagens
O surgimento das cidades, há cerca de seis mil anos, constituiu um salto considerável na história humana, tendo contribuído para que as populações se defendessem com mais facilidade, acentuassem relações sociais, partilhassem conhecimentos, utensílios e serviços e criassem cultura e ciência, que acabaram por tornar o ser humano civilizado. Curiosamente, os animais selvagens nunca estiveram muito longe. Afinal, quem consegue resistir ao apelo citadino?
Com o passar dos séculos, as primeiras cidades, essencialmente horizontais (de pedra, madeira e adobe), foram dando lugar a gigantescas construções de betão e aço, que parecem cair em direcção ao céu como as falésias se despenham sobre o mar. Mas nem isso demoveu a bicharada, que continuou, tal como as pessoas, a responder ao apelo das grandes metrópoles, mesmo quando o verde não passava de um ténue reflexo nas desmesuradas cortinas de vidro e metal.
Sendo as cidades ambientes artificiais criados pelo homem, de certa forma para fugir às agruras do campo e ao contacto insalubre com as ameaças naturais, é curioso verificar que elas nunca foram um domínio exclusivo dos seres humanos. Inúmeros bichos tornaram-se também eles “citadinos”, ocupando a estranha selva de betão, adaptando-se e prosperando com invejável sucesso. A sua sobrepopulação, em muitos casos, acabou por transformá-los em vizinhos incómodos e verdadeiras ameaças para a segurança e a saúde públicas, sobretudo como fonte de infecções e causa de acidentes rodoviários.
Por que será que tão grande número de animais trocou a tranquilidade dos espaços naturais pela frieza das fachadas e dos recintos públicos citadinos, onde prevalecem o cimento, o metal e o vidro? Na verdade, podem apontar-se várias razões. Entre as mais evidentes, conta-se o fácil acesso à comida, em resultado dos inúmeros desperdícios humanos (lixo orgânico) que se encontram com facilidade nas áreas urbanas e periurbanas. No entanto, há outras causas menos intuitivas, mas igualmente importantes. Alguns exemplos: as condições climatéricas mais acolhedoras (as cidades são “ilhas de calor” que apresentam temperaturas geralmente mais elevadas do que as áreas circundantes); a tolerância dos seres humanos (em vez de perseguirem os animais selvagens, como é habitual no meio natural, acabam por ignorar ou consentir a sua presença nas cidades, crentes de que estas serão mais ecológicas); a ausência de predadores (o que, associado ao excesso de alimentos, faz aumentar o ritmo de procriação, acabando muitas vezes por surgir a sobrepopulação); e, pasme-se, a abundância de nichos ecológicos e abrigos disponíveis (estes vão desde ruínas e casas abandonadas a igrejas e cemitérios, telhados, varandas e terraços, além de árvores isoladas, pequenos bosques, jardins, quintais e hortas, entre outros).
A quantidade e diversidade de animais citadinos nossos vizinhos, tal como acontece nos ambientes naturais, acaba por ser directamente proporcional à variedade de habitats disponíveis em cada área metropolitana. Se, além dos jardins, existirem também pequenos bosques, hortas e quintais, rios, ribeiros e lagos, então serão imensas as aves e os mamíferos, mas também os répteis, anfíbios e insectos que aí ocorrerão, de forma permanente ou sazonal, e cuja vizinhança quase sempre ignoramos. São animais selvagens, entenda-se, que, embora coabitando com o homem, nunca alienaram a sua liberdade.
Criaturas com penas
De toda a fauna urbana, as aves destacam-se pela sua variedade e abundância. Todos nós já reparámos certamente nos pombos e nas gaivotas, verdadeiras pragas em diversas cidades, ou nos pardais e nas andorinhas, geralmente mais tolerados e acarinhados. Mas desengane-se quem pensa que esses são os únicos seres com penas a viverem nas urbes.
São tantas e tão variadas as aves urbanas que em várias cidades foi necessário elaborar guias para auxiliar a sua identificação pelos ornitólogos e curiosos. Um dos mais famosos é o Guia das Aves de Lisboa, publicado em 1997 pela autarquia alfacinha. Nas páginas desse livro de bolso, pode descobrir-se que, à época, já tinham sido observadas 133 espécies dentro dos limites da cidade (35 nidificantes, 65 migradoras e 33 de ocorrência esporádica).
Alguns anos antes (1993), já se havia publicado, com a chancela da Fundação de Serralves, uma obra similar sobre as aves do Parque de Serralves, na cidade do Porto. Intitulava-se Aves de Serralves e dava a conhecer aos visitantes as 79 espécies que se podiam encontrar com facilidade nos jardins da instituição.
Na senda desses trabalhos, várias foram as associações de defesa do ambiente e autarquias que passaram a interessar-se pelo património ornitológico urbano e a elaborar publicações que permitem aos visitantes dos vários parques espalhados pelas cidades portuguesas conhecer e identificar a sua avifauna.
Com a vulgarização das tecnologias de informação e comunicação, nomeadamente da internet, dos blogues e dos fóruns, muitas dessas informações passaram a estar disponíveis à distância de um simples clique. É o exemplo da avifauna lisboeta, que pode ser descoberta em Aves de Lisboa (em http://lisboa.avesdeportugal.info). Este recurso online permite conhecer as 134 espécies de aves que já foram observadas na capital, em especial as 50 mais frequentes e fáceis de encontrar, bem como alguns percursos que incluem os melhores locais para aprender e treinar conhecimentos básicos de ornitologia urbana.
Gonçalo Elias, coordenador do projecto Aves de Portugal e do portal Aves de Lisboa, afirma, peremptório, que “Lisboa é uma cidade muito rica em aves”. No entanto, dado que cada espécie tem as suas preferências quanto ao habitat, “se forem visitadas várias zonas da cidade com diferentes características [parques e jardins, faixa ribeirinha, campos baldios, Parque Florestal de Monsanto, além das áreas edificadas], há mais possibilidades de detectar um maior número de espécies”, conclui.

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Espreitar os passarinhos Mesmo sem sair das zonas edificadas, densamente povoadas e com escassa vegetação, é possível descobrir algumas aves interessantes, além dos pardais, pombos e gaivotas que são omnipresentes nos céus citadinos. Entre as mais comuns, contam-se os andorinhões. Segundo Gonçalo Elias, “em Lisboa nidificam duas espécies: o andorinhão-preto, que ocupa preferencialmente as zonas mais modernas, e o andorinhão-pálido, que é mais abundante nas zonas antigas da Baixa e do Bairro Alto; ambos nidificam nos buracos dos edifícios, por vezes sob as telhas”. O andorinhão-preto, contudo, é presença habitual em muitas outras cidades portuguesas, como Viana do Castelo, Porto, Vila Real, Bragança, Coimbra, Leiria, Guarda, Évora e Portalegre. Já o andorinhão-pálido, caracterizado pela sua coloração acastanhada, pode ver-se em Aveiro, Castelo Branco, Setúbal e Faro. Ainda nessas zonas das cidades, onde dominam as catedrais de betão, surgem amiúde nos telhados os rabirruivos-pretos, as andorinhas-dos-beirais e as andorinhas-das-chaminés, entre outras.
Por oposição às áreas edificadas, geralmente mais pobres em avifauna, os parques, jardins e espaços verdes acolhem uma vasta variedade de seres alados, sobretudo passeriformes. São vulgares as lavandiscas, os melros, os chapins, os chamarizes, os verdilhões, os pintassilgos, as felosas, as carriças, as toutinegras-de-barrete-preto, os piscos-de-peito-ruivo, os cartaxos e as trepadeiras, de um vasto rol de muitas outras.
Se essas zonas tiverem espelhos de água naturalizados, como acontece nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ou no Parque da Cidade, no Porto, então é fácil encontrar galeirões, galinhas-de-água, patos, guinchos, gaivotas, guarda-rios, mergulhões-pequenos e garças-reais.
Nos campos baldios, também podem ver-se peneireiros (em Lisboa, nidificam desde 1995 nos respiradouros das fachadas da Torre do Tombo), águias-de-asa-redonda, fuinhas-dos-juncos, petinhas-dos-prados e garças-boieiras.
Nas áreas florestais e nos pequenos bosques, serão ainda habituais os gaios, as rolas-comuns, os estorninhos-pretos, as estrelinhas, os tentilhões, os pombos-torcazes, os pica-paus, as pegas-rabudas e as poupas. Como rapinas nocturnas, raramente vistas mas frequentemente escutadas, destacam-se os mochos-galegos e as corujas-das-torres.
As cidades ditas “ribeirinhas”, assim chamadas por serem banhadas por rios ou ribeiras, que são a larga maioria do nosso país, oferecem outro atractivo ornitológico: as aves aquáticas, além das que surgem habitualmente nos pequenos lagos existentes nos espaços verdes.
As que se localizam nas margens dos grandes estuários, como acontece com Caminha, Viana do Castelo, Porto, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Faro, constituem mesmo verdadeiros santuá­rios ornitológicos. Entre as aves mais comuns nessas zonas húmidas, contam-se as gaivotas (são muitas e diversificadas as espécies que se “escondem” sob tão lata designação, sendo as mais vulgares o guincho e a gaivota-de-asa-escura), as andorinhas-do-mar, os corvos-marinhos, as garças-brancas-pequenas, os maçaricos-das-rochas, os pilritos, os ostraceiros e as rolas-do-mar. Na zona do Parque das Nações, em Lisboa, surgem, ocasionalmente, flamingos e colhereiros e várias espécies de patos. No estuário do Douro, observam-se fuselos, gaivotões-reais, patos-pretos e piscos-de-peito-azul (que, não sendo aves aquáticas, surgem sobretudo nas grandes zonas húmidas do litoral).
Essencialmente no centro e no Sul do país, as cegonhas-brancas tornaram-se um ícone sobre as chaminés, as torres e os campanários. A sua presença faz-se notar, especialmente durante as ruidosas paradas nupciais, em Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja e Lagos, bem como em muitas outros burgos algarvios e alentejanos, como Barrancos, Alcácer do Sal e Mértola.
Mas não se pense que os passeios ornitológicos citadinos se fazem apenas de vulgaridades, pois também surgem muitas vezes habitantes mais incomuns, como é o caso dos falcões-peregrinos, avistados frequentemente nas pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, em Lisboa; os milhafres-pretos que nidificam na Mata do Choupal, nas proximidades de Coimbra (constituem a maior colónia desta espécie em Portugal, espalham-se pelo vale do Mondego e costumam ser presença habitual a sobrevoar a auto-estrada A1); as corujas-do-mato, comuns no Parque da Cidade de Guimarães; os gorazes, também conhecidos por garças-nocturnas, frequentes em Tomar e em alguns lagos de Lisboa; os peneireiros-das-torres, pequenos e raros falcões migradores que podem encontrar-se nas muralhas e em velhos edifícios de Castro Verde, Elvas e Mértola; e as gralhas-de-nuca-cinzenta, que ocorrem nos centros da Guarda e de Castelo Branco.
Algumas das raridades registadas em Portugal (o registo das espécies raras é homologado pelo Comité de Raridades da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), que fazem as delícias dos ornitólogos, também têm sido avistadas em áreas urbanas ou periurbanas. É o caso da gaivota-de-bico-riscado, mencionada em Esposende, no Porto e em Peniche; do andorinhão-cafre, avistado em Serpa, Moura e Barrancos; e do ganso-grande-de-testa-branca, observado no estuário do Cávado, em Esposende.

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Mamíferos furtivos Devido à convivência pouco pacífica com os humanos que os perseguem desde há séculos, os grandes mamíferos tornaram-se esquivos e recatados, não sendo por isso presença habitual nas cidades portuguesas. Ao contrário do que acontece em muitos países europeus, por cá, não há registo de veados, javalis, texugos ou lobos a viver em estado selvagem nos parques e jardins municipais.
Restam-nos os mamíferos de médio porte, como as raposas. Mesmo essas, apenas surgem esporadicamente em regiões periurbanas ou em extensas manchas florestais como o Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa. No entanto, os seus hábitos crepusculares afastam-nas geralmente dos olhares indiscretos, tornando muito difícil a sua observação. O mesmo acontece com as genetas, as fuinhas e os toirões, que podem ocorrer de modo fortuito em zonas florestais e agrícolas suburbanas, mas que também só raramente se avistam. Apenas sabemos da sua existência pelos vestígios (pegadas, dejectos e restos alimentares) que deixam à sua passagem ou pelas tocas e locais de refúgio que constituem igualmente sinais da sua ocorrência.
Uma presença frequente em muitas ­áreas florestais urbanas, que faz habitualmente as delícias de miúdos e graúdos com os seus saltos acrobáticos nas copas das árvores, é o esquilo-vermelho. Este bonito animal, que esteve extinto em Portugal desde o século XVI, tem vindo a recolonizar naturalmente o nosso país, sendo já presença habitual em diversas cidades nortenhas. Mais a Sul, foi introduzido no Jardim Botânico de Coimbra e no Parque de Monsanto.
Geralmente mais comuns e fáceis de observar costumam ser os pequenos mamíferos insectívoros, como o ouriço-cacheiro, a toupeira e os musaranhos (como o musaranho-comum ou o musaranho-de-dentes-brancos-grande). Igualmente vulgares são os chamados “micromamíferos roedores”, que incluem o rato-das-casas, o rato-do-campo e o rato-cego, e os mamíferos herbívoros, como os coelhos. Estes são animais comuns em muitos parques e jardins das cidades portuguesas (Parque da Cidade de Guimarães, Parque da Cidade do Porto e zonas verdes lisboetas, com destaque para Monsanto), surgindo também nos bosques e nas hortas urbanas e nos terrenos baldios, onde encontram refúgio e abundância de alimento.
Em quase todas as cidades portuguesas, são ainda presença habitual os morcegos, que se descobrem principalmente à luz crepuscular do anoitecer, enquanto perseguem os insectos, sobretudo em torno dos lampiões que os atraem. Das vinte e quatro espécies existentes em Portugal, o morcego-anão é sem dúvida o mais vulgar nos céus citadinos, embora muitas outras, como o morcego-hortelão, o morcego-arborícola-grande e o morcego-rabudo também frequentem as áreas urbanas. Até o morcego-de-ferradura-grande, apesar de essencialmente cavernícola, pode ser avistado em construções humanas, sendo por exemplo uma das espécies que ocorrem em Monsanto.
Vizinhos rastejantes
A vida selvagem nem sempre está ao nível dos olhos: por vezes, é necessário olhar para o chão para a descobrir. É aí que entram em cena as cobras e os lagartos, mas também sapos, rãs e salamandras. De um modo geral, embora sejam totalmente inofensivos, as pessoas nutrem pelos anfíbios e répteis citadinos pouca ou nenhuma simpatia. Eles, porém, parecem indiferentes à secular aversão humana. E, desde que encontrem as condições ecológicas adequadas à sua actividade e ao seu ciclo de vida, não desdenham de fixar-se no meio urbano.
Os jardins, os quintais, as hortas, os muros, as casas abandonadas e arruinadas, os telhados e os locais especialmente rochosos e pedregosos, como os campos baldios, são o reino dos répteis. Estes preferem áreas secas, onde mais facilmente se expõem ao sol para regular a temperatura corporal.
Entre as espécies urbanas mais comuns, mesmo em áreas densamente povoadas, conta-se a lagartixa, também conhecida por “sardanisca”. Trata-se de um réptil insectívoro que inclui na sua dieta escaravelhos, formigas e aranhas. Além de servir de alimento aos peneireiros e a várias aves de rapina diurnas e nocturnas, também faz parte do cardápio de outros répteis que podem encontrar-se nas cidades, como o sardão (um dos mais bonitos, robustos e esquivos lacertídeos da nossa fauna) ou a cobra-de-escada (apresenta um padrão de coloração dorsal muito característico, com duas linhas escuras longitudinais), comuns em praticamente todo o país.
A cobra-rateira é outro réptil que aprendeu a conviver com o homem, encontrando-se habitualmente em ruínas, bosques e jardins citadinos. Como o nome indica, é um eficaz predador de ratos e ratazanas, prestando um inestimável serviço como “raticida ecológico”. Curiosamente, é uma das poucas serpentes venenosas existentes em Portugal (produz um forte veneno de características neurotóxicas); no entanto, não é perigosa para o homem, já que é uma espécie opistoglifa (tem os dentes inoculadores de veneno localizados na garganta).
Outras espécies que podem ser encontradas nas cidades são a lagartixa-ibérica, que ocorre principalmente no centro e no Sul do país, e o camaleão, relativamente comum em várias povoações algarvias como Faro, Tavira e Vila Real de Santo António. A lista herpeteológica citadina não ficaria completa sem as osgas, que são animais verdadeiramente antropófilos, ou seja, fortemente associados a áreas urbanas. Surgem em locais pedregosos e rochosos, troncos de árvores, muros, paredes e habitações, sendo particularmente abundantes em zonas iluminadas por candeeiros e lampiões, os quais atraem as suas presas predilectas: mosquitos, moscas e borboletas.
Nas zonas mais húmidas, podem encontrar-se os cágados e as cobras-de-água. Contudo, os lagos ou charcos e as redes hidrográficas, como rios e ribeiros, são os habitats por excelência dos anfíbios. Com forte dependência da água, sobretudo durante a época de reprodução e a fase larvar, vêem-se obrigados a viver nos locais mais húmidos e sombrios das cidades. É lá que podemos surpreender a vulgar rã-verde, o sapo-comum, a salamandra-de-pintas-amarelas e os sapos-parteiros-comuns, que surgem frequentemente nos jardins públicos do Porto e de Coimbra, segundo informação disponibilizada pelo Guia de Anfíbios e Répteis de Portugal. Aliás, de acordo com essa publicação, que poderá constituir um precioso auxiliar na observação e identificação da fauna herpeteológica urbana, os anfíbios só não são mais comuns porque “verifica-se frequentemente um excesso de nutrientes orgânicos, contaminação por produtos fitossanitários e, por vezes, elevada concentração de predadores” nos ecossistemas aquáticos das cidades.

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Multidões fervilhantes Não é por acaso que os insectos são o grupo zoológico mais abundante. Na verdade, estão por todo o lado, e as cidades não são excepção. Não nos referimos apenas às melgas e moscas ou às abelhas e vespas, mas a toda uma multidão fervilhante de artrópodes que invade as nossas casas, os quintais, os bosques e os jardins.
Embora a sua presença seja muitas vezes incómoda, a ocorrência nos espaços urbanos é de vital importância, uma vez que são geralmente os animais que estão na base das cadeias alimentares, sendo a principal fonte de alimento de muitos dos outros inquilinos citadinos, como as aves, os mamíferos, os répteis e os anfíbios. São de tal modo importantes que a saúde dos jardins e das hortas urbanas está dependente do equilíbrio que se estabelece entre vegetarianos, insectos geralmente prejudiciais, e predadores, habitualmente benéficos. Este é um mundo minúsculo que nos passa despercebido, mas, mesmo sem nos darmos conta, travam-se diariamente ferozes e implacáveis batalhas às portas das nossas casas.
Entre os insectos mais comuns, especialmente nos campos relvados e canteiros floridos, contam-se as borboletas, os escaravelhos, as abelhas, as formigas, os gafanhotos, os grilos, os percevejos, os bichos-pau, as vespas, as moscas e os louva-a-deus, só para referir alguns de uma lista interminável.
Perto da água surgem ainda as libelinhas, libélulas e efémeras. Nos dias mais quentes, embora difíceis de descortinar, devido à sua camuflagem nos troncos e ramos das árvores, as cigarras brindam-nos com os seus cantos estridentes e inconfundíveis.
Qualquer jardim que se preze tem também, com toda a certeza, milhares de aranhas. Estas distinguem-se facilmente dos insectos por possuírem quatro pares de patas e pela ausência de antenas (os insectos adultos têm usualmente três pares de patas e um par de antenas). São magníficas predadoras de insectos, que capturam normalmente com o auxílio das suas elaboradas teias. Entre as espécies mais vulgares, contam-se a aranha-dos-jardins, a aranha-de-cruz e a aranha-caranguejo.
Agruras da vida citadina
Por vezes, corremos para lugares distantes e recônditos em busca da natureza e dos animais selvagens, esquecendo que temos, afinal, inúmeros à nossa porta. No entanto, apesar de muitos terem escolhido viver nas cidades, tirando partido de todas as vantagens que o ecossistema urbano lhes oferece, não se pense que levam uma vida tranquila. Afinal, são muitos os perigos que espreitam ao virar de cada esquina: excesso de ruído, poluição atmosférica, perseguição humana, risco de atropelamentos (com consequências nefastas para animais e pessoas). Pode mesmo dizer-se que os animais nossos vizinhos partilham connosco os elevados níveis de stress e hiper­actividade que caracterizam a vida citadina, aspectos que em nada contribuem para longas esperanças de vida.
Porém, as agruras urbanas não parecem demovê-los. A maior parte veio para ficar, estando constantemente a ver como poderá tirar melhor partido dos diferentes habitats das urbes, mesmo quando escasseiam os espaços verdes e os refúgios nas edificações modernas. O exemplo mais notório é o dos peneireiros: embora estivessem habituados a fazer as suas posturas em rochedos e falésias, rapidamente descobriram que os terraços, varandas e parapeitos dos grandes edifícios urbanos são uma excelente alternativa. Indiferentes ao bulício citadino, tornaram-se uma presença habitual nos céus de várias cidades, com destaque para Lisboa, onde são relativamente comuns.
Jardins e parques públicos são hoje importantes reservatórios de vida selvagem. Além de alindarem com a sua presença a frieza arquitectónica das cidades, alguns dos bichos bravos que aí vivem contribuem, com a sua acção polinizadora (é o caso de muitos insectos, como as abelhas e borboletas), para colorir os campos e jardins. Outros, livram-nos da presença incómoda de ratos, pombos e pardais (consumidos essencialmente por aves de rapina) e insectos (aniquilados principalmente por morcegos, passeriformes, répteis e anfíbios), evitando que se tornem pragas incontroláveis. Portanto, não nos podemos esquecer de que também nas cidades as relações predador-presa, em que as diferentes populações exercem controlo umas sobre as outras, contribuem para o equilíbrio dinâmico e sustentável do ecossistema.
Com a época estival a convidar para longos e refrescantes passeios nos parques e jardins citadinos (em alguns, até já existem painéis informativos que alertam os utilizadores para a diversidade da fauna e flora aí existentes), mantenha-se atento, pois nunca se sabe quando poderá ser surpreendido por um dos muitos bichos que fazem parte da selva urbana. O melhor é ter sempre a câmara fotográfica à mão.
J.N.

SUPER 158 - Junho 2011

Objetivos

São objetivos do IFaU:
  • Proporcionar um diálogo aberto a respeito da Fauna Urbana;
  • Servir como local de intercâmbio de dados como: Bibliografias (Livros, trabalhos científicos),    Pós-Graduações, etc;
  • Estimular a conservação da Fauna Urbana e ao mesmo tempo controlando as espécies exóticas e domésticas (pombos, ratos, cães,gatos, etc.);
  • Buscar a interação Homem X Fauna, utilizando como veículo a Educação Ambiental.